A Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que as farmácias, a partir de hoje, vendam apenas medicamentos e produtos de higiene pessoal, coloca em debate diversas questões, entre elas, a eficiência dos agentes de mercado, a ética do livre comércio e a capacidade de regulação e controle do mercado por parte do Estado Brasileiro. Tais questões estão no centro da atividade econômica e não necessariamente seguem percursos convergentes.
Sob a perspectiva das farmácias tipicamente inseridas na categoria de pequenas empresas, que possuem pequeno capital de giro e estrutura operacional reduzida, a decisão da Anvisa é um verdadeiro bálsamo. Ela resgata, mesmo que restrita, a possibilidade de maior competição em um segmento de mercado cujo nível de concorrência acirrou-se substancialmente na última década.
Para farmácias de maior porte ou inseridas em redes locais ou regionais, por outro lado, a determinação da Anvisa é sinônimo de franco retrocesso e diminuição de faturamento. A venda de produtos de conveniência tornou-se parte importante da estratégia de relacionamento com o mercado e as levou a um reposicionamento perante os consumidores. O conceito de farmácia como conhecíamos antes, não existe mais já faz algum tempo. Tanto é que, de modo bizarro, tais farmácia, especialmente aquelas que funcionam no regime de 24 horas por dia, muitas vezes recebem telefonemas durante a madrugada com pedidos para a entrega não de medicamentos, mas sim de refrigerantes, sorvetes e biscoitos, entre outros diferentes produtos de conveniência.
A decisão da Anvisa procura reafirmar que o foco de mercado das farmácias é, ou deveria ser, a venda de produtos farmacêuticos e de higiene pessoal. Ocorre que o mercado é dinâmico, produz e reproduz novas formas de interação e comercialização, as quais não são equânimes. Parte da eficiência do mercado, e também da sua ineficiência, decorre dessa dinâmica – é o típico caso da incorporação de produtos de conveniência ao mix de produtos das farmácias. A ação de regulação e controle do mercado por parte do Estado, portanto, não deveria ser flagrantemente tão morosa.
A grande indústria de produtos de conveniência, que curiosamente ainda não veio à baila nesse debate, certamente não está satisfeita com a Resolução da Anvisa. A efetivação da medida implicará em significativa redução no número de pontos de venda para os produtos da indústria e, consequentemente, em menor volume de negócios. Produtos de conveniência, em geral, oferecem reduzida margem de lucro individual e precisam de grande giro de estoque para se tornarem rentáveis para quem os vende. Logo, as farmácias tornaram-se importantes agentes para a indústria de produtos de conveniência, mesmo a despeito do dissabor inicialmente causado em quitandas e supermercados.
Diante dessa situação, há que se avocar princípios éticos que deveriam balizar a venda de produtos de conveniência por farmácias. A regulação e o controle do Estado, definindo, por exemplo, subcategorias de produtos de conveniência passíveis de comercialização pelas farmácias, e não todo e qualquer produto, pode ajudar nesse sentido. Seria uma forma de não obscurecer o fato de que para os consumidores a existência de inúmeros pontos de venda de produtos é um ótimo negócio, pois proporciona comodidade e rapidez para a aquisição do que precisam, seja um medicamento ou um produto de conveniência. Nesse caso teríamos não farmácias de conveniência, mas sim a conveniência das farmácias.
Referências Conexas
BARROS, José A. C. Estratégias mercadológicas da indústria farmacêutica e o consumo de medicamentos. Revista de Saúde Pública, v. 17, n. 5, p. 377-386, 1983.
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