sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Consumo de professores


Próximo ao dia 15 de outubro, editoras e livrarias enviam cartões virtuais para professores, felicitando-os pela passagem daquele que se convencionou ser o seu dia, isto é, o dia dos professores. A lógica que orienta tal felicitação é meramente comercial e é feita a partir das bases de dados dessas empresas, as quais possuem sistemas de gerenciamento automático de e-mails. Algumas enviam cumprimentos, e outras, além dos cumprimentos, tentam ampliar as vendas dos seus livros. Fazem isso por meio de ofertas com descontos especiais para o dia professor e as consideram um presente!

Curiosa essa situação. Ela mostra de forma bastante simples como os professores são duplamente consumidos: como agentes intermediários do mercado e como o próprio mercado final. No primeiro caso, ao indicarem livros para seus alunos. No segundo, ao adquirirem, eles próprios, livros que são instrumentos de trabalho.

Essa, no entanto, é apenas uma das facetas do consumo de professores. Como trabalhadores do setor de prestação de serviços na sociedade contemporânea, é provável que nunca antes na história os professores tenham sido consumidos com tanta voracidade como nos dias atuais. Afinal, são vários e diversos os papéis por eles assumidos, como, por exemplo, educadores, instrutores, incentivadores, idealizadores, conselheiros, escritores, editores, gestores, orientadores, facilitadores, articuladores, animadores, relatores, revisores ...

Referências Conexas

BASSO, Itacy S. Significado e sentido do trabalho docente. Cadernos CEDES, v.19, n. 44, p. 19-32, 1998.

BELK, Russell. Sharing. Journal of Consumer Research, v. 36, n. 5, p. 715–734, 2010.

FAR, Alessandra E. O livro e a leitura no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

VICENTINI, Paula P. Celebração e visibilidade: o dia do professor e diferentes imagens da profissão docente no Brasil (1933-63). In: 26ª REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (2003: Poços de Caldas). Anais ... História da Educação. Rio de Janeiro: ANPED, 2003. (Versão integral no website da ANPED)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

A quem interessa o livro digital?

O primeiro livro digital, assim como o primeiro de seus leitores eletrônicos, foi lançado nos Estados Unidos durante os anos 1990. No entanto, foi apenas após o lançamento do leitor eletrônico Kindle pela Amazon.com em 2007, que o livro digital passou a ser conhecido em larga escala.

De lá para cá, o livro digital tem sido celebrado por inúmeras pessoas, em diversas frentes, desde leitores e livreiros até editores e ambientalistas. Mas quem mais festeja a introdução do livro digital no mercado são os fabricantes de e-Readers, isto é, a indústria eletrônica vinculada ao universo da informática e do mundo digital.

Há, hoje, dezenas de modelos de leitores eletrônicos disponíveis no mercado. Só a Sony tem cinco modelos diferentes para venda. Depois que a Amazon.com lançou o seu Kindle, a Barnes & Nobles, outra grande livraria virtual, lançou o seu Nook, e muito recentemente a Apple lançou o iPad. Ocorre que o e-Reader é o tipo de aparelho eletrônico que não envolve uma tecnologia tão sofisticada a ponto de seu fabricante inicial permanecer sozinho no mercado por muito tempo. As barreiras de entrada no mercado de produtos tecnológicos estão cada vez mais fáceis de serem transpostas.

Certamente, os lançamentos continuarão e livrarias virtuais e editoras ainda empreenderão muitos esforços para individualizarem seus produtos e tentarem posicioná-los como únicos no mercado, até, talvez, chegarem a conclusão de que eles poderão ter uma plataforma padrão, em termos de software, que leia qualquer livro digital. Esse “qualquer”, todavia, interessa mais às editoras dos livros digitais do que aos fabricantes de e-Readers e do que às livrarias virtuais. São muitos os desdobramentos em torno dessa questão e passam, inclusive, pela discussão de práticas de monopólio relacionadas a quais softwares serão definidos para serem usados nos aparelhos e-Readers.

No Brasil, os livros digitais começaram a ser vendidos esse ano. Livrarias virtuais como Cultura, Saraiva e Submarino.com já disponibilizam milhares de títulos, especialmente os chamados best sellers e escritos no idioma inglês. Além da diversidade de e-Readers apresentada por essas empresas, e com a qual o leitor deve lidar, há os softwares que podem ser instalados em computadores do tipo notebook ou desktops e que permitem a leitura dos livros digitais.

Como é de se esperar, esses softwares são também diferentes. A Cultura sugere o Adobe Digital Editions e a Saraiva sugere o Saraiva Digital Readers. Já o Submarino.com oferece vários títulos, mas não disponibiliza a possibilidade de acesso ao livro digital que não seja por meio de um e-Reader. Diferentemente da Cultura e da Saraiva, a Submarino.com desenvolveu uma espécie de parceria com a Gato Sabido e-books para a venda de livros digitais, e a oferta dos livros se dá apenas por meio do COLL-ER, seu e-Reader. Surfando a onda dos livros digitais oferecidos pelas nossas livrarias virtuais, a Positivo, fabricante brasileira de computadores, iniciou a produção do seu e-Reader, cujo nome é Alfa.

Argumentos a favor do livro digital costumam ser razoáveis, particularmente aqueles que apontam para a portabilidade e a mobilidade, características da sociedade pós-moderna, bem como os que destacam o fato dos livros digitais poderem ser adquiridos por menores preços e, ainda, não poluírem o meio ambiente, ajudando a preservar milhões de árvores que não precisarão ser utilizadas para a fabricação de papel. Um outro argumento, que não vem muito à baila, diz respeito a obras volumosas, de grande complexidade de manipulação, assim como obras raras, que devem ser transformadas em livros digitais. Tal procedimento seria conveniente e necessário para dar visibilidade e acesso às mesmas.

Olhando para todo esse cenário, algumas impressões, e também dúvidas, vêm à tona:

1. a indústria tende a criar novos produtos para, assim, criar novos mercados e expandir seus negócios. O livro digital e, em contrapartida, o e-Reader, se encaixam perfeitamente bem nesse sentido;

2. com os livros digitais, editoras e livrarias virtuais mudam significativamente a maneira de vender livros e economizam substancialmente ao longo do processo de produção e venda de seus livros. O trabalho com logística, envolvendo gráfica, transporte, estocagem, distribuição e envio para as compras realizadas pela Internet, por exemplo, simplesmente não existe, o que significa expressiva redução do uso de mão-de-obra, instalações e redução de custos;

3. a vida dos autores dos livros melhorará? Eles receberão maior participação dos lucros decorrentes da venda dos livros com o novo formato? Afinal, as editoras poderiam remunerar melhor os autores, pois os seus custos serão reduzidos consideravelmente e o argumento do custo de produção dos livros sempre foi usado para justificar os parcos repasses de direitos autorais aos autores de livros;

4. para onde irão todos os e-Readers que estão sendo vendidos, na hora em que forem descartados? Terão o mesmo destino que os aparelhos de telefone celular, os notebooks e os desktops, ou seja, o lixo comum? Os e-Readers também poluem e são uma ameaça ao meio ambiente. E, diga-se, a indústria de computadores, do mesmo modo que a de telefonia celular, ainda não apresentou uma solução para o descarte de seus produtos;

5. na medida em que a indústria editorial diminui proporcionalmente a venda de livros em papel e aumenta a venda de livros digital, o que será feito com os empregos relacionados à produção e distribuição de livros em papel? Caberá a seus ocupantes a máxima de readaptar, readequar, reutilizar, reciclar?

A quem interessa o livro digital? Muitos argumentos, em um primeiro momento, remetem a uma posição quase que intocável dos livros digitais e, com efeito, é preciso reconhecer o caráter inexorável da sua presença entre nós nos próximos tempos. Não obstante, até o presente momento, quem mais parece ter se beneficiado com os livros digitais são as próprias empresas que compõem a cadeia de negócios em torno dele.

Referências Conexas

BELK, Russel W.; TUMBAT, Gülnur. The cult of Macintosh. Consumption Markets & Culture, v. 8, n. 3, p. 205 – 217, 2005.

CHANDLER, Stephanie. From entrepreneur to infopreneur: make money with books, e-books and information products. Hoboken: Wiley, 2006.

DENEGRI-KNOTT Janice; MOLESWORTH, Mike. Concepts and practices of digital virtual consumption. Consumption Markets & Culture, v. 13, n. 2, p. 109 – 132, 2010.

FRECHETTE, Barry G. Brand digital: simple ways top brands succeed in the digital world. Journal of Consumer Marketing, v. 27, n. 3, p. 293 – 293, 2010.

FURTADO, José A. O papel e o pixel – do impresso ao digital: continuidade e transformações. Florianópolis: Escritório do Livro, 2004.

MILLER, Daniel. The confort of things. Cambridge: Polity Press, 2009.

NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. 3ª. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

VIEIRA, Valter A.; SLONGO, Luiz A. Um modelo dos antecedentes da lealdade no varejo eletrônico. Revista de Administração Contemporânea, v.12, edição especial, p. 65-87, 2008.

WEBER, Steve. ePublish: self-publish fast and profitably for Kindle, iPhone, CreateSpace and print on demand. S.l.: Weber Books, 2009.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Doações para venda

A compra e venda de produtos usados, em lojas específicas para esse fim, é bastante comum no hemisfério norte. A doação de produtos usados e a posterior venda dos mesmos também é usual, especialmente com finalidades filantrópicas. Em alguns casos, organizações que tem algum tipo de atividade de filantropia chegam ao ponto de fazer apelos para que as pessoas doem aquilo que não usam mais, de modo que o fruto da doação possa ser vendido e revertido em lucros que irão subsidiar ações sem fins lucrativos e de interesse coletivo. Boa parte das pessoas responde bem ao apelo por doações, e outra boa parte tem interesse em comprar os produtos usados que são doados e não se incomoda de incorporá-los ao seu dia-a-dia. A British Heart Foundation, que oferece atividades de prevenção contra doenças cardíacas aos cidadãos da Grã-Bretanha, é uma organização que adota a prática do estímulo de doações de produtos usados e a posterior venda dos mesmos em sua rede de lojas. Sim! Uma instituição de caridade que tem lojas para a venda de produtos – inclusive loja online.

Obs.: a foto acima é da loja da British Heart Foundation localizada na Union Street, considerada a principal referência de negócios da cidade de Aberdeen, Escócia.

Esse post compõe uma série chamada “Nota de Viagem”. Trata-se de um conjunto de pequenas observações realizadas durante viagens.

domingo, 3 de outubro de 2010

Cultura da transferência da responsabilidade

A culpa é sempre sua, nunca minha! Essa é uma máxima que se verifica cotidianamente das mais diferentes formas na sociedade brasileira hoje em dia. Nas relações profissionais e mesmo nas relações de caráter pessoal, é possível observar o quanto se transfere para outros a responsabilidade por atos e ações que são sinônimos de problemas, equívocos ou resultados avaliados como negativos.

Exemplos simples desse fenômeno podem ser constatados de diversas maneiras: o gerente nunca é o responsável, o funcionário é que não soube fazer o trabalho; o vendedor não deve ser responsabilizado, o problema é da fábrica que produziu o produto com defeito; o entregador não poderia fazer melhor, o trânsito é que estava horrível; o governador não tem como apresentar uma solução mais adequada, pois a legislação não permite; o deputado não pode fazer algo diferente, dado que a pauta das votações está trancada; o policial não pode implementar adequadamente a lei seca, já que há apenas um bafômetro na cidade; o garçom não pode responder pelo erro no pedido, visto que foi o cozinheiro que não prestou atenção no prato; é possível, sim, agir de uma determinada forma, a interpretação da legislação é que não está correta.

Dito de uma forma simples, é como se houvesse uma condição tácita de que se algo aconteceu de errado, a culpa não é minha; pelo contrário, é dele ou dela. Culturalmente, esse fenômeno parece ter uma relação com a situação de querer estar em vantagem em relação ao outro. Se a responsabilidade é sempre dos outros e nunca de um determinado indivíduo, esse tenderá a estar sempre em uma situação de harmonia com os interlocutores que tem em perspectiva e, por conseguinte, jamais em situações desconfortáveis de conflito. Tem-se, assim, e em tese, uma condição em que o indivíduo está pessoal ou profissionalmente envolvido, mas nunca é responsabilizado.

Esse fenômeno cultural tende a ser recrudescido devido não só ao ambiente cada vez mais competitivo das organizações brasileiras, como também à crescente fragilidade dos vínculos pessoais e profissionais nessas mesmas organizações.

Referências Conexas

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

DaMATTA, Roberto A. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

VIEIRA, Francisco. G. D. ; CRUBELLATE, João M.; SILVA, Ilse G. ; SILVA, Wânia. R. Silêncio e omissão: aspectos da cultura brasileira nas organizações. Revista de Administração de Empresas – Eletrônica, v. 1, n. 1, p. 1-14, 2002.