A culpa é sempre sua, nunca minha! Essa é uma máxima que se verifica cotidianamente das mais diferentes formas na sociedade brasileira hoje em dia. Nas relações profissionais e mesmo nas relações de caráter pessoal, é possível observar o quanto se transfere para outros a responsabilidade por atos e ações que são sinônimos de problemas, equívocos ou resultados avaliados como negativos.
Exemplos simples desse fenômeno podem ser constatados de diversas maneiras: o gerente nunca é o responsável, o funcionário é que não soube fazer o trabalho; o vendedor não deve ser responsabilizado, o problema é da fábrica que produziu o produto com defeito; o entregador não poderia fazer melhor, o trânsito é que estava horrível; o governador não tem como apresentar uma solução mais adequada, pois a legislação não permite; o deputado não pode fazer algo diferente, dado que a pauta das votações está trancada; o policial não pode implementar adequadamente a lei seca, já que há apenas um bafômetro na cidade; o garçom não pode responder pelo erro no pedido, visto que foi o cozinheiro que não prestou atenção no prato; é possível, sim, agir de uma determinada forma, a interpretação da legislação é que não está correta.
Dito de uma forma simples, é como se houvesse uma condição tácita de que se algo aconteceu de errado, a culpa não é minha; pelo contrário, é dele ou dela. Culturalmente, esse fenômeno parece ter uma relação com a situação de querer estar em vantagem em relação ao outro. Se a responsabilidade é sempre dos outros e nunca de um determinado indivíduo, esse tenderá a estar sempre em uma situação de harmonia com os interlocutores que tem em perspectiva e, por conseguinte, jamais em situações desconfortáveis de conflito. Tem-se, assim, e em tese, uma condição em que o indivíduo está pessoal ou profissionalmente envolvido, mas nunca é responsabilizado.
Esse fenômeno cultural tende a ser recrudescido devido não só ao ambiente cada vez mais competitivo das organizações brasileiras, como também à crescente fragilidade dos vínculos pessoais e profissionais nessas mesmas organizações.
Referências Conexas
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
DaMATTA, Roberto A. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
VIEIRA, Francisco. G. D. ; CRUBELLATE, João M.; SILVA, Ilse G. ; SILVA, Wânia. R. Silêncio e omissão: aspectos da cultura brasileira nas organizações. Revista de Administração de Empresas – Eletrônica, v. 1, n. 1, p. 1-14, 2002.
Olá amigo. Ótima discussão. Problema sério mesmo o de ´culpar os outros´. Porém, a última frase do segundo parágrafo não ficou clara: se entendi bem o espírito do teu texto, a sequência mais razoável seria dizer que por vezes também nos omitimos do exercício da interpretação das leis, descansando naquilo que parece mais interessante ou conveniente no momento.
ResponderExcluirSegue forte abraço.
Crubellate.
Crubellate,
ResponderExcluirObrigado pela visita ao blog. Você tem razão quanto à última frase do segundo parágrafo: não ficou clara. Mas, que bom que você percebeu e deu o sentido por mim pretendido.
Um abraço,
Francisco Giovanni
Professor, tenho sentido isso cada vez mais no ambiente profissional. Procuro transmitir segurança aos meus colaboradores, para que assumam as possiveis falhas e desconhecimentos de suas funções, mas quando chego proximo do alto escalão, sinto que os mesmos não estão preparados para ouvir que seus subordinados, podem assumir culpas.
ResponderExcluirRealmente é um problema cultural, mas principalmente que vem de cima para baixo e se dissimina nos diversos segmentos de nossa sociedade.
É muito bom que esse assunto seja discutido de forma aberta, para que possamos evoluir.
Paulo Sérgio / MBA15
Olá, Paulo Sérgio!
ResponderExcluirÉ bom saber que você tem referências empíricas, a partir de sua experiência, que confirma o que escrevi no post. De fato, essa é uma questão presente em nossa sociedade e, por extensão, organizações, a qual, infelzimente, é velada.
Francisco Giovanni Vieira
Boa Tarde!
ResponderExcluirProfessor Francisco tenho uma grande duvida e se tiver como gostaria do seu esclarecimento.
Qual a influência do Serviço Social na cultura da transferência de responsabilidade na atualidade?
Obrigado!
Olá!
ResponderExcluirVocê levanta uma questão importante: será que o serviço social tem influência na cultura da transferência da responsabilidade?
Se existe a prestação de serviços sociais, por quê se preocupar em resolver o problema? É mais apropriado deixar resolverem. É esse o ponto?
É uma resposta difícil de ser dada, mas, a princípio, não acredito que uma política de atenção e inclusão social seja o vetor da cultura da transferência da responsabilidade. Penso que tal característica cultural transcende essa possibilidade.
Obrigado pela visita ao blog.
Vieira
Professor, relacionando ao assunto à pandemia do COVID e a volta às aulas, tenho visto discussões acaloradas sobre quem irá se "responsabilizar caso algo aconteça": governo federal, estadual, municipal? Instituições de ensino, docentes, discentes, pais, famílias? Quase nada se fala de responsabilidade compartilhada. Quando parece que não dá para a cultura da transferência da responsabilidade ficar pior, acontece uma pandemia global e nos mostra exatamente o contrário.
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