sábado, 16 de junho de 2012

Consumo do trânsito no Brasil

Pedestres, ciclistas, motoqueiros, motoristas. Transportes individuais, transportes coletivos. Avenidas, ruas, vielas, becos. Espaços públicos, democráticos, igualitários por excelência. É o que se supõe! A rigor, o consumo do trânsito enquanto ato de deslocamento, transporte, trabalho ou lazer, nega a igualdade, estabelece uma hierarquia e prioriza a individualidade. É o que se depreende a partir da leitura do ótimo livro “Fé em Deus e pé na tábua – ou como e por que o trânsito enlouquece no Brasil”, escrito pelo antropólogo Roberto DaMatta com a colaboração de João Vasconcellos e Ricardo Pandolfi, publicado em 2010 pela editora Rocco. O consumo do trânsito no cotidiano brasileiro separa os que estão em perigo – pedestres – e os que pretensamente estão protegidos – aqueles a bordo de veículos. A vestimenta da couraça do veículo no trânsito reforça o traço cultural brasileiro de construir hierarquias no espaço público – algo do tipo “se você não sabe com quem está falando, saia do meio senão eu lhe atropelo”. Por outro lado, o famoso jeitinho, embora seja também aplicado às condições e situações do trânsito, tem os seus limites perante um sinal vermelho. Até é possível desconsiderar o sinal e não parar, mas isso pode significar um risco para a própria vida. O fato é que o consumo do trânsito apenas revela a falta de discernimento quanto à condição coletiva do espaço público, bem como a enorme dificuldade para se cumprir regras em nosso país.

Esse post compõe uma série chamada "Olhar Acadêmico". Trata-se de observações sobre trabalhos acadêmicos na forma de artigos, dissertações, teses ou livros relacionados direta ou indiretamente ao campo de cultura e consumo.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

O garçom do futebol e o autoconsumo do individualismo


O futebol é, antes de tudo, um esporte coletivo. Há diferentes funções exercidas por cada um dos membros da equipe e diversas formações táticas em que cada uma das funções tem importância para a conquista da vitória. É curioso como ao longo do tempo, em diferentes lugares, mas especialmente no Brasil, o artilheiro, o jogador que faz o gol, tornou-se o mais importante ou pelo menos o mais valorizado da equipe.

Não quero dizer aqui, a exemplo do que afirmou um ex-técnico da Seleção Brasileira de Futebol, que o gol é apenas um detalhe. Mas o fato é que se forjou o artilheiro como superior aos demais membros da equipe. Em alguns casos, esse mesmo artilheiro, que em geral é o centroavante, também consegue driblar o adversário e obter performances plásticas que encantam a torcida do seu clube.

Na música “É Uma Partida de Futebol”, gravada pela banda mineira Skank, Samuel Rosa e Nando Reis afirmam que o centroavante é o mais importante. Mas dizem, por outro lado, que é no meio-campo que estão os craques e que são eles os regentes que levam a equipe para o ataque. É notável tal condição. O centroavante é o mais importante, mas aparentemente não o seria se não fosse o trabalho do craque – aquele que prepara a jogada para o gol.

Narradores e comentaristas de futebol, ao se apropriarem do espetáculo proporcionado pelo futebol ao longo das transmissões de rádio e TV, criaram a figura do garçom do futebol: aquele jogador que dá o último passe para que o artilheiro faça o gol. Pela posição ocupada em campo e pela armação da jogada, o que a crônica chama de garçom é, em grande parte das ocasiões, o craque do time.

Ocorre que poucas coisas são tão díspares na mídia quanto os comentários dos analistas de futebol. Ademais, o sentido que empregam à palavra garçom não é, necessariamente, um sentido que coloque o craque em pé de igualdade ao artilheiro. O garçom, enquanto categoria, ou o trabalho do garçom, como expressão de condição social, não são objetos de glamour e não fazem parte da sociedade do espetáculo. Já o artilheiro, o homem-gol, faz.

Ora impulsionado pela exaltação da crônica esportiva, ora inebriado pela sua própria vaidade, o artilheiro, em geral, não sabe compartilhar, é avaro – o popular fominha – e não reconhece a jogada do craque. Para constatar, basta olhar como ele corre sozinho na comemoração do gol, invariavelmente em direção oposta àquela de quem lhe deu o passe para a finalização – o craque, chamado de garçom. É o autoconsumo do individualismo. A negação do trabalho coletivo no momento mágico da comemoração do gol.

Referências Conexas

Bajde, D. (2006). Other-centered behavior and the dialetics of self and other. Consumption Markets & Culture, 9(4), p. 301-316.

Campos, R. B. C. (2004). Sociedades complexas: indivíduo, cultura e o individualismo. CAOS – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, (7), p. 8-22.

Kellner, D. (2003). A cultura da mídia e o triunfo do espetáculo. Líbero, 6(11), p. 4-15.

Retondar, A. M. (2007). A (re)construção do indivíduo: a sociedade de consumo como “contexto social” de produção de subjetividades. Sociedade e Estado, 23(1), p. 137-160.