segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O ECAD e os direitos autorais em consultórios médicos

Outro dia fui a um consultório médico e vi um cartaz colado na tela da TV informando que a TV não seria ligada porque havia uma determinação, compreendida como um abuso, para o pagamento de uma taxa ao ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição). Algumas pessoas que estavam na sala à espera do atendimento comentavam sobre como era chato ter que ficar esperando a hora da consulta sem ter o que fazer para se distrair.

Havia revistas e jornais para serem lidos, mas não parecia haver interesse por parte das pessoas quanto aos mesmos. A única exceção talvez se referisse às revistas de notícias sobre o mundo das chamadas celebridades da TV e do cinema, especialmente aquelas cujas edições eram mais recentes.

Ao adentrar a sala do médico para a realização da consulta, não pude me furtar de fazer uma pergunta sobre o cartaz afixado na TV da sala de espera. Ouvi cobras e lagartos do médico em relação ao ECAD e o quanto era abusivo o pagamento que eles estavam solicitando. O médico disse, também, que vários outros colegas seus de profissão tinham feito a mesma coisa. Eles não iriam disponibilizar música ambiente ou ligar a TV para exibir DVDs com documentários, filmes, músicas ou o que quer que fosse, porque não concordavam com o pagamento que havia sido determinado. Segundo o médico, quanto maior a metragem quadrada do consultório ou da clínica, maior seria o valor a ser pago.

A situação acima descrita está vinculada à modernização da legislação do Direito Autoral, cuja consulta pública foi realizada em meados do ano passado. Quando consultórios e clínicas disponibilizam música ambiente ou imagens por meio da exibição de DVDs, fazem-no de modo que representa uma extensão do serviço que prestam aos consumidores dos serviços médicos. Nesse caso, os médicos não estão consumindo música, filmes, ou o que quer que seja, enquanto indivíduos – pessoa física –, mas sim enquanto organizações empresariais – pessoa jurídica. A cobrança do ECAD, portanto, faz sentido.

Referências Conexas

CASTRO, Gisela. Não é propriamente um crime: considerações sobre pirataria e consumo de música digital. Comunicação, Mídia e Consumo, v. 14, n. 10, p. 73-87, 2007.

GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet – direitos autorais das origens à era digital. Record: São Paulo, 2007.

PIMENTA, Eduardo S. Função social dos direitos da obra. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2009.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Clinton e Bush para o Haiti

Atendendo a pedidos de Obama, Clinton e Bush, ex-presidentes estadounidenses, criaram um fundo para ajudar o Haiti a se reerguer após o terremoto que devastou a capital do país no início do ano passado. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos que recebe doações que são enviadas ao Haiti. Enquanto presidentes, Clinton e Bush, pertencentes a partidos divergentes e também com diferentes orientações de política internacional, ignoraram solenemente o Haiti. No entanto, o terremoto ocorrido no Haiti fez com o que ambos se juntassem em nome desse país. Bom para os haitianos que precisam de ajuda, porém é lamentável a constatação de que as tragédias tem o efeito colateral de criar commodities para consumo geral. O Haiti tornou-se uma commodity desde o ano passado e serve para o consumo simbólico de diferentes maneiras e por diferentes pessoas, inclusive, e sobretudo, por instituições.

Referências Conexas

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectivas, 2009.

HIRSCHMAN, Elizabeth C. Comprehending symbolic consumption: three theoretical issues. In: HIRSCHMAN, Elizabeth C.; HOLBROOK, Morris B. (Ed.) Symbolic Consumer Behavior. Duluth: Association for Consumer Research, 1981. pp 4-6.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Papel termossensível

As relações de consumo são, em geral, bastante assimétricas. Embora as organizações empresariais tentem fazer acreditar que o consumidor tem poder na relação de consumo, cada vez mais raros são os casos em que isso efetivamente ocorre. O mais comum é que as empresas estabeleçam regras e os consumidores simplesmente as sigam, sem terem capacidade de agência para contestação ou modificarem aquilo que é preestabelecido.

Esse é o caso, por exemplo, do que acontece atualmente entre os bancos e os consumidores dos seus serviços no que concerne aos comprovantes que os últimos recebem dos primeiros após a realização de operações em caixas automáticos. Os comprovantes são emitidos em um papel tecnicamente definido como termossensível, no qual as informações da operação realizada são gravadas por um sistema térmico de impressão. Ainda que a impressão seja rápida, as informações gravadas não duram muito, pois tendem a se apagar em um curto período de tempo.

Diante desse fato, o qual existe exatamente para atender os interesses de redução de seus custos operacionais, os bancos disponibilizam a seguinte informação nos versos dos comprovantes: “Papel termossensível. Sua vida útil, de acordo com fabricante, é de 7 anos. Evite seu contato com plásticos, solventes e produtos químicos. Não o exponha a luz, calor e umidade excessivos”. Tal informação é no mínimo desonesta, visto que o banco transfere para o fabricante a veracidade da afirmação contida em um instrumento da sua própria prestação de serviços.

O consumidor não tem a quem se dirigir. Ele não conhece o fabricante do papel, e o banco, a quem paga caro pelos serviços que consome, não lhe dá garantias sobre a perenidade do comprovante. Uma típica situação de assimetria nas relações de consumo.

Referências Conexas

ALBAUM, Gerald; WILEY, James. Consumer perceptions of extended warranties and service providers. Journal of Consumer Marketing, v. 27, n. 6, p. 516-523, 2010.

GRAYSON, Kent; MARTINEC, Radan. Consumer perceptions of iconicity and indexicality and their influence on assessments of authentic market offerings. Journal of Consumer Research, v. 31, n. 2, p. 296-312, 2004.

HOLBROOK, Morris B.; LEHMANN, Donald R.; O’SHAUGHNESSY, John. Using versus choosing: the relationship of the consumption experience to reasons for purchasing. European Journal of Marketing, v. 20, n. 8, p.49-62, 1986.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O perfil do BBB 11

Espiar, acompanhar, conferir, ver, seguir, torcer, debater criticar ... são muitos os verbos no infinitivo que podem ser usados para a experiência de consumo do Big Brother Brasil 11, programa de entretenimento que a TV Globo leva ao ar durante os três primeiros meses do ano. Em sua décima primeira edição, o programa já não tem novidades e está completamente decifrado pelo grande público. O consumo do programa indica o chamado mais do mesmo, especialmente porque a Rede Globo resolveu não mais apostar na situação de pessoas que são comuns e podem ser encontradas em qualquer rua do país. Pelo contrário, as pessoas confinadas na casa do BBB 11, e que disputam o prêmio de R$ 1,5 milhão, tem um perfil previamente escolhido para a performance midiática. Anteriormente com um conceito voltado para a representação da sociedade brasileira e sua enorme diversidade regional e étnica, inclusive do ponto de vista profissional, o programa, nos dias de hoje, tem como único compromisso o entretenimento por meio da estética corporal, do diálogo fácil e de situações bizarras. São 17 pessoas. Dentre elas, há 2 administradores, 1 analista criminal, 1 engenheiro, 1 estudante e 1 jornalista. Os outros 11 participantes são vinculados, direta ou indiretamente, ao mundo dos espetáculos, da imagem e da estética corporal: 2 modelos, 2 produtoras, 1 atriz, 1 bailarina, 1 coreógrafo, 1 dançarina, 1 barman, 1 cabeleireira e 1 músico. A sociedade brasileira está muito longe de ser assim!

Referências Conexas

CAMPANELLA, Bruno. Investindo no Big Brother Brasil: uma análise da economia política de um marco da indústria midiática brasileira. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, p. 3-17, abr. 2007.

CRUZ, Maria A. M. Big brother Brasil: um cenário observado a procura de uma estratégia de posicionamento crítico no espaço público. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2007. (Dissertação de Mestrado)

CURVELLO, Vanessa. Big brother Brasil: realidades espetacularizadas. sl.,sd., se.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A Unilever e a Nestlé esquecem que estão em um país tropical

No final dos anos 1960, Jorge Ben Jor escreveu uma canção de muito sucesso, intitulada País Tropical. Essa famosa canção se inicia com a seguinte frase: “Moro num país tropical, abençoado por Deus”. Como se pode ver pela letra da canção, Jorge Ben sabe que vivemos em um país tropical, eu sei e você também sabe disso. A Nestlé e a Unilever, contudo, as duas principais fabricantes de sorvete em operação no mercado brasileiro, parecem esquecer dessa condição. Tanto a Unilever, com os sorvetes e picolés Kibon, quanto a Nestlé, com os sorvetes e picolés Yopa, oferecem poucos picolés ou sorvetes com sabor de frutas tropicais ao mercado. Esse é um fato curioso, pois de norte a sul o Brasil tem frutas em abundância, e ainda que boa parte da produção seja destinada à exportação, nossos hábitos alimentares incorporam o consumo regular de frutas tropicais. Basta ir a uma feira livre para constatá-lo.

Referência Conexa

REINDERS, Pim. Licks, sticks and bricks: a world history of ice cream. New York: Unilever, 1999.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Uma promoção Desigual

A cada ano que se inicia, várias empresas de varejo recorrem à realização de promoções. Do mesmo modo, ano após ano, muitos consumidores colocam, antecipadamente, essas promoções em seus calendários de compra. Trata-se de algo que, por seu padrão de repetição, já assume traços de incorporação cultural, descolando-se da situação de um evento meramente circunstancial.

Uma promoção ocorrida na primeira semana desse ano e que chamou a atenção da mídia internacional, diz respeito àquela que foi realizada pela Desigual, que é uma marca de roupas espanhola, presente no mercado há 26 anos, com lojas em 8 países da Europa. A promoção consistiu em que os consumidores entrassem em lojas de Amsterdã (Holanda), Barcelona, Madrid, Marbella, San Sebastián (Espanha) e Lisboa (Portugal), usando apenas roupas íntimas e saíssem das lojas vestidos com os produtos que encontrassem e comprassem na promoção. Um apelo adicional da promoção referia-se a que as 100 primeiras pessoas que chegassem às lojas usando apenas roupas íntimas, ganhariam gratuitamente roupas para se vestirem.

O que chama a atenção na promoção, denominada de “entra casi desnudo, sal vestido” (entre quase nu e saia vestido), é a ideia de se explorar o corpo parcialmente despido; mais ainda, como a situação de consumo foi bem aceita por inúmeras pessoas – e isso, em pleno inverno europeu. O corpo, quase nu, com suas perfeições e imperfeições, exposto em público, perante centenas de pessoas, câmeras e holofotes, parece ter sido tomado com bastante naturalidade. Do ponto de vista das relações de consumo, entretanto, o corpo foi apenas mais um instrumento, um objeto para levar a efeito uma troca. Em uma sociedade pós-moderna, midiática e fragmentada, é mais um limite que parece transposto acerca dos usos e significados do corpo.

Referências Conexas

FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995.

GUPTA, Sunil; COOPER, Lee G. The discounting of discounts and promotion thresholds. Journal of Consumer Research, v. 19, n. 3, p. 401-411, 1992.

JANSSON, André. The mediatization of consumption: towards an analytical framework of image culture. Journal of Consumer Culture, v. 2, n. 1, p. 5-31, 2002.

JOY, Annamma; SHERRY, John F.; TROILO, Gabriele; DESCHENES, Jonathan. Re-thinking the relationship between self and other: Levinas and narratives of beautifying the body. Journal of Consumer Culture, v. 10, n. 3, p. 333-361, 2010.

SANTAELLA, Lúcia. O corpo como sintoma da cultura. Comunicação, Mídia e Consumo, v. 1, n. 2, p. 139-157, 2004.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Um banco, muitas memórias


O tempo para caminhar, parar, sentar e apreciar o movimento das ruas, paisagens ou jardins, está cada vez mais escasso na sociedade contemporânea. Quando isso acontece, os bancos de rua representam bom suporte e servem também para nos acomodar para a leitura de um livro ou para uma conversa. Décadas atrás, o banco de rua tinha uma presença importante na paisagem urbana. Hoje, está praticamente relegado ao esquecimento ou é algo circunscrito ao uso de pessoas da chamada terceira idade – o ócio, além de não ser bem-visto, é indesejado em nossa sociedade. Na Inglaterra, os bancos possuem um significado de destaque entre as diversas maneiras de se homenagear entes queridos. É habitual a aquisição e doação de bancos de rua e jardim, onde são afixadas mensagens escritas para pessoas com as quais se compartilhou um lugar e momentos ao longo da vida. A título de ilustração, além da foto acima, há uma cena no filme Um Lugar Chamado Notting Hill (direção de Roger Michell), que indica bem o uso de bancos com o sentido aqui apontado. No filme, os personagens William Thacker e Anna Scott, encenados por Hugh Grant e Julia Roberts, respectivamente, sentam-se em um banco de jardim onde está escrito o seguinte texto: “For June who loved this garden – from Joseph who always sat beside her. June Wetherby, 1917-1992” (À June, que amava este jardim – de Joseph, que sempre a acompanhava).

Obs.: a foto acima consiste em um “close” de dizeres em um banco de rua em Wansfell Road, na cidade de Ambleside, Inglaterra.

Esse post compõe uma série chamada “Nota de Viagem”. Trata-se de um conjunto de pequenas observações realizadas durante viagens.