domingo, 30 de junho de 2019

Sobre o Autoritarismo Brasileiro





Escrito por Lilia Schwarcz e publicado recentemente pela Companhia das Letras, Sobre o Autoritarismo Brasileiro, 273p., R$ 49,90, é um livro que considero como pertencente àquela categoria de leitura necessária. Trata-se de uma contribuição para compreender o Brasil, que é particularmente relevante se levarmos em conta o momento atual vivido em nosso país.

Sugerindo uma espécie de travessia que não terminou, ao longo de oito capítulos o livro aborda temas e questões imbricadas na história e formação social brasileira. Escravidão e racismo, mandonismo, patrimonialismo, corrupção, desigualdade social, violência, raça e gênero, e intolerância, são tratados de forma analítica por meio de acontecimentos e dados.

A leitura do livro revela inúmeros equívocos que são cometidos a respeito do brasileiro, a começar pela ideia amplamente disseminada de que somos um povo "gente boa". É curioso pensar como essa ideia tem sido aceita - e ela não necessariamente está alicerçada no conceito de homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda. O fato é que a realidade objetiva do cotidiano social brasileiro não só traz em si, como também perpetua, as mazelas de sua constituição histórica enquanto nação. E nessa constituição, as ideias de respeito e tolerância estão ausentes. Mesmo quando querem se fazer democráticos, brasileiros têm sido autoritários e violentos.   

Esse post compõe uma série chamada "Olhar Acadêmico". Trata-se de observações realizadas sobre trabalhos acadêmicos na forma de artigos, dissertações, teses ou livros, relacionados direta ou indiretamente ao campo de cultura e consumo.

terça-feira, 25 de junho de 2019

Before printing



O mercado editorial acadêmico e científico movimenta milhões e milhões de dólares. Há uma tendência para a concentração do mercado em torno de algumas poucas editoras. A disputa entre elas é acirrada e cada uma tenta superar a outra na valorização dos periódicos que publicam, seja em termos de prestígio acadêmico ou seja no que se refere ao preço das assinaturas individuais e, sobretudo, institucionais que cobram pelo acesso aos títulos que publicam. Prestígio acadêmico e preço de assinatura, aliás, são duas coisas que caminham juntas nesse caso. Uma das formas que usam para tanto é o processo de criação e lançamento de novos produtos, formatos e concepções editoriais. Um exemplo claro disso consiste na divulgação em plataformas digitais de artigos que acabaram de ser aprovados editorialmente para publicação. A ideia é que a divulgação antecipada promova maior influência sobre pesquisas em andamento, recebam citações e, por conseguinte, aumentem o fator de impacto do periódico. Cada editora dá um título diferente a esses produtos, que ao final significam exatamente a mesma coisa. Os títulos que consegui identificar estão listados abaixo. 

# advanced articles
# ahead of print
# early view
# just been published
# online first
# online now

Não há a menor dúvida. A indústria editorial sabe como formatar mercado.

domingo, 23 de junho de 2019

Sobre empresa privada e acesso à informação



Um dos principais pilares da construção de uma sociedade livre, soberana e democrática é o acesso à informação. É impossível imaginar uma atuação independente das diferentes instituições dentro da sociedade civil organizada, sem que exista o acesso à informação. A economia de mercado, em meio à complexidade dos diferentes agentes que a constituem, também tem no acesso à informação uma condição inexorável para o seu funcionamento.

Quando uma empresa nega o acesso à informação e, sobretudo, cria dificuldades para que órgãos de imprensa divulguem para o público consumidor os preços que ela pratica, essa empresa simplesmente fere um princípio básico da economia de mercado e atenta, no limite, contra a própria sociedade civil organizada. Negar o acesso à informação é retroceder no tempo, em termos de organização social e econômica.

É preciso que se compreenda que as empresas, mesmo que privadas, têm um caráter público. Elas são privadas, geram lucros e obedecem a orientações administrativas e estratégicas de origem e caráter privado, particular, mas têm um interesse de caráter público. Isso ocorre pelo simples fato de que ao oferecerem um produto ou serviço ao mercado, as empresas estabelecem, criam e desenvolvem uma relação mercadológica que não está circunscrita exclusivamente aos interesses empresariais, mas que também contempla interesses de caráter público. Em curtas palavras, as empresas são de origem privada, mas a relação que desenvolvem com o mercado é pública. Portanto, não há sentido em negar acesso a informações que interessam ao mercado, especialmente informações sobre os preços dos produtos que oferta aos potenciais consumidores presentes nesse mercado.

A prática empresarial de negar aceso à informação, entretanto, não está restrita apenas à esfera de preços que, a rigor, são de interesse público. Em geral, informações sobre procedimentos administrativos e dados de atuação e desempenho mercadológicos são sistematicamente negados. Ocorre que as empresas necessitam de um volume de informações e dados cada vez maior e mais consistente para definirem adequadamente suas estratégias, tomarem decisões e, por conseguinte, serem bem sucedidas no mercado. Isso representa um contra-senso, pois cada vez mais as empresas precisam e buscam informações, mas, por sua vez, não fornecem informações, ou criam dificuldades e subterfúgios para não fornecerem. A prática da realização de pesquisas e divulgação de dados estatísticos é bastante comum em países desenvolvidos e tem crescido no Brasil. Ela representa um importante instrumento para o aperfeiçoamento de práticas administrativas privadas e públicas, e também pode ser entendida como uma espécie de mecanismo que ajuda na construção da cidadania.

Além da Imprensa, que eventualmente tem o acesso à informação negado por parte das empresas, instituições acadêmicas e universitárias também vivenciam experiência semelhante. É menos raro do que se imagina que estudantes de graduação e pós-graduação nas áreas de administração e economia, entre outras, recebam um sonoro “não” como resposta às tentativas que fazem de obtenção de dados e informações empresariais. Via de regra, tais solicitações são feitas com o propósito de subsidiarem pesquisas e análises que desenvolvem em seus estudos, especialmente estudos para a conclusão de curso, como monografias de graduação, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Isso, sem mencionar diferentes outros tipos de estudos que são realizados na área de business e que são vinculados a instituições universitárias de ensino e pesquisa.

A sociedade brasileira evoluiu e hoje dispõe de importantes estruturas para a geração de conhecimento baseado na obtenção séria e tratamento adequado de dados e informações. Não há mais espaço para padrões de comportamento pautados única e exclusivamente na obtenção de informações. É preciso também fornecê-las. Caso contrário, viveremos uma situação retrógrada, algo como um eterno “venha a nós o vosso reino”.

* Publicado originalmente sob o título "Venha a nós o Vosso Reino" em O Diário do Norte do Paraná, p. A2, 20 de fevereiro de 2009.