domingo, 23 de junho de 2019

Sobre empresa privada e acesso à informação



Um dos principais pilares da construção de uma sociedade livre, soberana e democrática é o acesso à informação. É impossível imaginar uma atuação independente das diferentes instituições dentro da sociedade civil organizada, sem que exista o acesso à informação. A economia de mercado, em meio à complexidade dos diferentes agentes que a constituem, também tem no acesso à informação uma condição inexorável para o seu funcionamento.

Quando uma empresa nega o acesso à informação e, sobretudo, cria dificuldades para que órgãos de imprensa divulguem para o público consumidor os preços que ela pratica, essa empresa simplesmente fere um princípio básico da economia de mercado e atenta, no limite, contra a própria sociedade civil organizada. Negar o acesso à informação é retroceder no tempo, em termos de organização social e econômica.

É preciso que se compreenda que as empresas, mesmo que privadas, têm um caráter público. Elas são privadas, geram lucros e obedecem a orientações administrativas e estratégicas de origem e caráter privado, particular, mas têm um interesse de caráter público. Isso ocorre pelo simples fato de que ao oferecerem um produto ou serviço ao mercado, as empresas estabelecem, criam e desenvolvem uma relação mercadológica que não está circunscrita exclusivamente aos interesses empresariais, mas que também contempla interesses de caráter público. Em curtas palavras, as empresas são de origem privada, mas a relação que desenvolvem com o mercado é pública. Portanto, não há sentido em negar acesso a informações que interessam ao mercado, especialmente informações sobre os preços dos produtos que oferta aos potenciais consumidores presentes nesse mercado.

A prática empresarial de negar aceso à informação, entretanto, não está restrita apenas à esfera de preços que, a rigor, são de interesse público. Em geral, informações sobre procedimentos administrativos e dados de atuação e desempenho mercadológicos são sistematicamente negados. Ocorre que as empresas necessitam de um volume de informações e dados cada vez maior e mais consistente para definirem adequadamente suas estratégias, tomarem decisões e, por conseguinte, serem bem sucedidas no mercado. Isso representa um contra-senso, pois cada vez mais as empresas precisam e buscam informações, mas, por sua vez, não fornecem informações, ou criam dificuldades e subterfúgios para não fornecerem. A prática da realização de pesquisas e divulgação de dados estatísticos é bastante comum em países desenvolvidos e tem crescido no Brasil. Ela representa um importante instrumento para o aperfeiçoamento de práticas administrativas privadas e públicas, e também pode ser entendida como uma espécie de mecanismo que ajuda na construção da cidadania.

Além da Imprensa, que eventualmente tem o acesso à informação negado por parte das empresas, instituições acadêmicas e universitárias também vivenciam experiência semelhante. É menos raro do que se imagina que estudantes de graduação e pós-graduação nas áreas de administração e economia, entre outras, recebam um sonoro “não” como resposta às tentativas que fazem de obtenção de dados e informações empresariais. Via de regra, tais solicitações são feitas com o propósito de subsidiarem pesquisas e análises que desenvolvem em seus estudos, especialmente estudos para a conclusão de curso, como monografias de graduação, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Isso, sem mencionar diferentes outros tipos de estudos que são realizados na área de business e que são vinculados a instituições universitárias de ensino e pesquisa.

A sociedade brasileira evoluiu e hoje dispõe de importantes estruturas para a geração de conhecimento baseado na obtenção séria e tratamento adequado de dados e informações. Não há mais espaço para padrões de comportamento pautados única e exclusivamente na obtenção de informações. É preciso também fornecê-las. Caso contrário, viveremos uma situação retrógrada, algo como um eterno “venha a nós o vosso reino”.

* Publicado originalmente sob o título "Venha a nós o Vosso Reino" em O Diário do Norte do Paraná, p. A2, 20 de fevereiro de 2009.

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