sábado, 19 de fevereiro de 2011

Bahrein, Estados Unidos e o consumo da democracia

O ato do consumo se concretiza por meio de objetos físicos e por meio de símbolos. Os significados também são consumidos. Eles estão no centro e no entorno dos objetos. A rigor, transcendem os objetos. Adentram as relações. Consumir é significar. Significar para si próprio e para os outros. Significar para negar e para afirmar. Significar para mediar. Significar para significar.

O ocidente é confuso. Caminha em círculos. Tenta definir uma direção sem direção. A democracia não serve apenas para os inimigos. Deveria servir também para os aliados. Os Estados Unidos emitem sinais dúbios. O país das estatísticas e da meritocracia, onde se cultua e consome valores forjados no que se conheceu como terra dos bravos e destemidos, não consegue ser coerente. Não usa a mesma régua. O que há de diferente entre o Egito e o Bahrein? O que há de diferente entre o Bahrein e o Irã? Os interesses geopolíticos estadounidenses. Eles estão acima do sangue derramado nas praças do mundo árabe.

Referências Conexas

COOK, Daniel T. (Ed.) Lived experiences of public consumption: encounters with values in marketplaces on five continents. New York: Palgrave Macmillan, 2008.

LOHMANN, Larry. Consumption and democracy. The Corner House. 1998. Acesso em: 18 fev. 2011.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Capitalismo preconceituoso

A história do capitalismo sempre foi tecida por meio de ações controversas, incluindo desonestidade, ambição e oportunismo. Ações criativas, inovadoras e até mesmo geniais, no sentido da construção do bem-estar, também fazem parte de sua história. Isso não significa que uma ação exclua a outra. Elas podem co-existir. O sistema econômico é absurdamente complexo e não linear, como a própria natureza humana.

No início desse ano foi possível observar, de forma contundente, mais uma manifestação do pacote de possibilidades do capitalismo em terras brasileiras. Ela está presente em relatório de pesquisa divulgado pelo Instituto Data Popular. Na contramão do aumento do consumo entre as chamadas classes de baixa renda, executivos de companhias brasileiras afirmaram haver preconceito nas empresas no que se refere à criação e oferta de marcas específicas de produtos para os chamados mercados C e D.

Dirigentes empresariais assumem, nesse episódio, uma posição de arrogância ímpar. Isso revela anacronismo e despreparo dentro do sistema. Alguns poderiam dizer má fé. Tecnicamente, trata-se de uma compreensão inadequada do funcionamento da economia de mercado.

Aparentemente, a relação entre a Casa Grande e a Senzala nunca irá sair do imaginário brasileiro. Em muitos lugares, mundo afora, dinheiro não tem cor ou classe social na ação da oferta para o consumo. No Brasil tem. Em alguma medida isso revela a dificuldade da nossa sociedade entender e praticar a distribuição de renda.

Referências Conexas

PARENTE, Juracy; BARKI, Edgard. Oportunidades na baixa renda. GV Executivo, v. 4, n. 1, p. 33-37, 2005.

PRAHALAD, C. K. A riqueza na base da pirâmide: erradicando a pobreza com o lucro. Porto Alegre: Bookman, 2009.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Sobre a Petição do Projeto de Lei 1120/2007

Nas duas últimas semanas foi intensificado o envio de mensagens por meio da internet solicitando o apoio da comunidade acadêmica brasileira ao Projeto de Lei (PL) 1120/2007. Em linhas gerais, as mensagens enviadas apresentam um apelo para que professores, estudantes e demais interessados acessem o website Petição Pública e assinem a Petição relativa ao PL.

Embora não use esses termos, o PL 1120/2007 trata do consumo de informação científica. A ideia presente no PL consiste em disponibilizar, de forma obrigatória, em espécies de repositórios institucionais, a produção científica publicada em revistas científicas por pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa públicos brasileiros.

Naturalmente, caso o PL 1120/2007 continue sua tramitação e seja aprovado, haverá a necessidade de se criar estruturas que comportem e disponham de forma pública a produção científica oriunda de pesquisadores de instituições públicas. Isso teria que funcionar, caso contrário não adiantaria. A princípio, a iniciativa parece significar democratização do conhecimento e traria apenas benefícios. Poderia, entretanto, como um efeito colateral, levar a uma espécie de novo ranking de produção acadêmica. Seria bastante factível, por exemplo, que ocorresse um acompanhamento, não desinteressado, relativo a quem está produzindo o quê e quanto, e ainda com qual incidência. Em certa medida, o Currículo Lattes do CNPq se presta a esse acompanhamento, mas o repositório permitiria o acesso ao resultado da produção em si, e não apenas à sua mera informação.

Uma outra possibilidade atrelada ao PL 1120/2007 diz respeito à observação de questões de governança e transparência dos investimentos em pesquisas científicas. Certamente, isso envolveria a observação do financiamento de pesquisas científicas por meio de órgãos públicos não só federais como também estaduais. Nesse caso, é preciso lembrar que há um volume razoável de financiamento público estadual para pesquisas conduzidas em instituições públicas estaduais e federais. Esse tipo de financiamento pode ser mais suscetível à gestão política do que técnica. O PL 1120/2007 não parece abordar esses aspectos.

Por outro lado, há uma questão que não está clara: em nome da governança e transparência dos investimentos, atreladas ao PL 1120/2007, as instituições privadas que são beneficiadas com recursos públicos para pesquisa também teriam que providenciar um repositório? A depender dos encaminhamentos, a noção que parece estar por trás do PL 1120/2007, não é necessariamente a criação de condições de acesso público e consumo da produção científica, mas talvez a noção de controle ou acompanhamento do que é gasto nos financiamentos e quem são os seus beneficiários.

Não há sentido em se aprovar uma lei para a criação de Repositórios Institucionais que simplesmente pode não ser cumprida. Na história brasileira, muitas leis têm sido criadas para não serem cumpridas. Há, inclusive, uma expectativa popular quanto às leis que pegam e as leis que não pegam. Além disso, quanto custa a criação dos repositórios?

As universidades e institutos de pesquisa públicos brasileiros avançaram consideravelmente em suas condições materiais nos últimos anos, mas estão longe de terem seus problemas estruturais resolvidos. Há instituições públicas brasileiras que não têm sala de trabalho para professores, por exemplo. Em muitos casos, uma mesma sala é dividida por 5 (cinco) ou mais professores. Mais que isso, há cursos que não têm sequer um laboratório de informática! Como pensar em repositórios? De onde virão os recursos? Com efeito, uma pergunta permanece: a quem interessa, de fato, a Petição do PL 1120/2007? É preciso debater de modo mais aprofundado essa questão.

Referências Conexas

ALBAGLI, Sarita. Divulgação científica: informação científica para a cidadania? Ciência da Informação, v. 25, n. 3, p. 396-404, 1996.

LEITE, Fernando C. L.; COSTA, Sely. Repositórios institucionais como ferramentas de gestão do conhecimento científico no ambiente acadêmico. Perspectivas em Ciência da Informação, v. 11, n. 2, p. 206-219, 2006.

MOREIRA, Ildeu de C. A inclusão social e a popularização da ciência e tecnologia no Brasil. Inclusão Social, v. 1, n. 2, p. 11-16, 2006.

VIEIRA, Francisco G. D. Latindo atrás do Lattes. Revista Eletrônica Espaço Acadêmico, v. 7, n. 73, p. 1-4, 2007.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O Egito e a hipocrisia ocidental

Os orientais falam pouco, agem em silêncio e são considerados os reis do pragmatismo, seja na economia ou na política externa. Não necessariamente atuam de forma a receber aplausos, especialmente sob a perspectiva de análise dos ocidentais.

Os ocidentais falam, questionam e reivindicam mais. Tendem sempre a apontar princípios e valores éticos que, supostamente, deveriam ser um norte para quase tudo. Além disso, levantam a bandeira dos direitos humanos e da democracia para quase todos. Nesse sentido, têm somado nos últimos dias suas vozes àquelas do mundo árabe, particularmente do povo egípcio.

Acontece que a crise no chamado mundo árabe é uma crise de bem-estar, econômica e de consumo. A economia egípcia está fortemente ancorada na agricultura e no turismo. Entre os seus principais parceiros econômicos estão os europeus, cuja economia ainda não se recuperou da crise ocorrida no final da última década. O desemprego ronda a casa dos 10% da população economicamente ativa e dados da Organização Internacional do Trabalho indicam que 66% das pessoas com até 30 anos de idade estão desempregadas.

É de se supor que a crise econômica seja o principal vetor para o questionamento do regime político. Os ocidentais preferem apontar o dedo apenas para a ditadura existente no país. Tiveram 30 anos para fazer isso, mas só agora o fazem. É lamentável que a defesa dos direitos humanos e a indignação ocidental com regimes ditatoriais sejam seletivas. A hipocrisia ocidental não permite, por exemplo, apontar o dedo para a China.

Adendo em 05 de fevereiro de 2011:

Imprensa para consumo

A hipocrisia ocidental é facilmente vista na imprensa. A Folha de S. Paulo, considerado o principal jornal do Brasil, publica no dia de hoje (05/02/2011), na primeira página de sua versão eletrônica na web, a seguinte manchete: "Ditador egípcio se reúne com ministros para discutir crise". Pouco tempo atrás, a Folha tratava Hosni Mubarak como presidente da República do Egito. Agora o trata como ditador. Será que, doravante, a Folha, por meio de sua editoria, vai tratar como ditadores em sua primeira página todos os presidentes e reis de nações ao redor do mundo que não foram eleitos pelo voto direto e popular em um regime democrático?

Referências Conexas

GOODY, Jack. The East in the West. European Journal of Sociology, v. 38, n. 2, p. 171-184, 1997.

GUEDES, Ana L. M. Negócios internacionais. São Paulo: Thomsom Learning, 2007.

HOBSBAWN, Eric J. A era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

HUNTINGTON, Samuel. O choque de civilizações. Rio de Janeiro: Ponto de Leitura, 2010.

KABASAKAI, Hayat. Arabic cluster: a bridge between East and West. Journal of World Business, v. 37, n. 1, p. 40-54, 2002.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Em busca de um samaritano

Instituições de ensino superior privadas brasileiras têm adotado um processo curioso para o recrutamento de profissionais para comporem os seus quadros docentes. Nos últimos tempos, a forma mais frequente consiste em enviar mensagens por e-mail para listas acadêmicas e redes sociais, indicando todos os atributos que as instituições desejam e esperam que os candidatos às vagas oferecidas possuam. Desde a formação acadêmica e grau de titulação, até habilidades com o uso de equipamentos ou softwares, incluindo capacidade de interação, relacionamento pessoal e trabalho em equipe, sem esquecer do volume de publicação científica, tudo é listado.

Tais instituições, no entanto, esquecem de informar o que oferecem ou o que pretendem oferecer aos profissionais que eventualmente se candidatem aos postos de trabalho em seus quadros docentes. Elas não comunicam o valor dos salários que pagam aos seus docentes, as condições de trabalho oferecidas, o plano de carreira existente, ou se há plano de saúde ou auxílio creche, por exemplo. Em geral, querem um profissional para trabalhar em tempo integral, mas nem uma sala para ele trabalhar oferecem.

Quando recebo essas mensagens, fico a pensar que instituições de ensino superior privadas não estão recrutando profissionais para serem docentes. Elas estão à procura de bons samaritanos.

Referências Conexas

CUNHA, Luiz A. O ensino superior no octênio FHC. Educação & Sociedade, v. 24, n. 82, p. 37-61, 2003.

LESSARD, Claude; TARDIF, Maurice. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

SAMPAIO, Helena. Ensino superior no Brasil: o setor privado. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2000.