domingo, 13 de abril de 2014

Cultura material, assédio e violência contra as mulheres



Deu na Folha: 12% dos paulistanos concordam parcial ou totalmente que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Pior ainda, a pesquisa do Datafolha foi além da pesquisa anterior do IPEA realizada em todo o Brasil, e identificou que 9% concordam parcial ou totalmente que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser estupradas".

A pesquisa do Datafolha foi conduzida na capital paulista no dia 7 de abril e usa metodologia semelhante a do IPEA para verificar o grau de concordância das pessoas a uma determinada frase. Na escala Likert com cinco postos, concordar total ou parcialmente significa concordar e discordar parcial ou totalmente significa discordar. Há apenas uma tentativa de mensurar, digamos assim, a intensidade da concordância ou discordância. Trata-se mais de uma espécie de ardil metodológico.

Abominável e, também, curioso o resultado da pesquisa. Agora temos um dado explícito para a sugestão de estupro. Algo que é assustador se considerarmos que a pergunta foi formulada de modo direto e fugiu da hipocrisia do politicamente correto. Considerando a margem de erro de 4% da pesquisa, 9% pode vir a ser 13%. Trata-se de algo como 1 entre cada 10 pessoas admitirem que concordam que uma mulher possa ser estuprada pelo simples fato de usar uma roupa que mostre o seu corpo.

Apenas a ideia de um comportamento machista, latino, não parece ser suficiente para explicar esse fenômeno. A se imaginar que esse dado refere-se à cidade de São Paulo, que é, pelo menos em tese, uma cidade moderna, o que pensar dos índices percentuais que essa mesma pergunta pode indicar em termos de tendências em outras cidades e regiões do país? 

Uma vertente do debate que a divulgação desses dados ainda não parece ter suscitado diz respeito ao papel da indústria cultural na construção desse fenômeno. Poderia se iniciar pela recente apropriação e uso da palavra "sensual" em contextos antes inexistentes. É possível, por exemplo, atribuir sensualidade à condição material da roupa enquanto coisa, enquanto objeto? Parece que nesse caso, infelizmente, e mais uma vez, reitera-se a cultura da transferência da responsabilidade que permeia o país. Em outras palavras, atribui-se às mulheres a culpa pela violência que elas próprias sofrem. Lamentável!

terça-feira, 8 de abril de 2014

5o. Encontro Internacional COPPEAD de Comportamento do Consumidor



O Centro de Estudos em Consumo da COPPEAD, UFRJ, promove o 5o. Encontro Internacional COPPEAD de Comportamento do Consumidor, a ser realizado no Rio de Janeiro, em 14 de maio, das 8h00min às 13h30min. 

O evento contará com a presença de Russell Belk e Robert Kozinets, pesquisadores que são referências importantes na produção de conhecimento sobre consumo. O tema do evento é "Inovação, Mídias Sociais e a Pesquisa do Consumidor". As inscrições para o evento podem ser realizadas por meio da internet, clicando no link do evento

domingo, 6 de abril de 2014

Mulheres, roupas e corpo, ou sobre um instituto (e um país) de ponta-cabeça



O país tropical que gosta da menina que é linda, cheia de graça e de doce balanço, não é o país que gosta da menina que usa roupa que mostra o corpo. Pode parecer uma contradição, mas essa constatação está presente na pesquisa Tolerância Social à Violência Contra as Mulheres, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), cujos resultados (em arquivo pdf) foram divulgados recentemente, no dia 27 de março, e geraram grande repercussão na mídia e em redes sociais virtuais.

A pesquisa, efetuada entre maio e junho de 2013 junto a uma amostra de 3.810 pessoas dos gêneros masculino e feminino, é parte integrante do Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS), que é definido pelo IPEA como “uma pesquisa domiciliar e presencial que visa captar a percepção das famílias acerca das políticas públicas implementadas pelo Estado, independentemente destas serem usuárias ou não dos seus programas e ações”. A se compreender por essa definição, a pesquisa deve ter sido conduzida em função de políticas públicas do Governo Federal brasileiro voltadas para a proteção da mulher ou para a promoção de igualdade entre gêneros. Por conseguinte, percebe-se que o IPEA não se restringe à produção de estudos exclusivamente voltados à economia aplicada.

Na divulgação de 27 de março o relatório de pesquisa do IPEA informava que nada mais nada menos que “(...) 65% das pessoas que responderam à pesquisa concordam com a afirmação, nem um pouco sutil, de que ‘mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas’”. Tal constatação é de deixar qualquer pessoa estarrecida. Trata-se de algo inconcebível. Em um país como o Brasil ela é ainda mais assustadora, pois do ponto de vista de cultura material, o vestuário usado pelo brasileiro é preponderantemente moldado a partir das condições climáticas do país. E o Brasil, nunca é demais lembrar, é um país de grandes dimensões geográficas e de clima tropical, em que o calor faz parte do cotidiano, seja em regiões litorâneas, com seus 7.367 quilômetros de praia, seja no interior, constituído por caatinga, cerrado ou pantanal. Por outro lado, o cristianismo é a religião da maior parte dos brasileiros e ela não estabelece restrições ou impõe normas sobre vestuário àqueles que dela fazem parte. Portanto, parece minimamente razoável imaginar que o brasileiro está habituado a ver “mulheres que usam roupas que mostram o corpo” e que isso não representa a menor justificativa para que se promova um ataque às mulheres.

Diante da repercussão decorrente da divulgação da pesquisa, o IPEA parece ter revisitado os dados da pesquisa e publicou uma errata no dia 04 de abril, admitindo que houve um erro, que consistiu na troca dos dados oriundos de duas das 27 questões –ou frases – relacionadas à tolerância à violência contra a mulher investigada na pesquisa. A troca ocorreu entre as questões relacionadas ao gráfico 23, apresentado à página 22, e ao gráfico 24, apresentado à pagina 23. O primeiro corresponde à questão ou frase “mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar” e o segundo diz respeito à questão ou frase “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”.

Ambas as questões/frases foram formuladas com base em uma escala Likert com cinco postos. De acordo com a metodologia informada no relatório, “(...) as frases foram lidas para os entrevistados, que em seguida deveriam dizer se concordavam total ou parcialmente, ou se nem concordavam nem discordavam (neutralidade)”. No relatório inicial, o resultado de concordância para a frase/questão 23 totalizava 26,0%, enquanto o resultado de concordância para a frase/questão 24 totalizava 65,1%. Segundo a errata publicada pelo IPEA tais resultados devem ser invertidos.

O IPEA tem uma longa tradição de pesquisas sérias e bem elaboradas. É no mínimo curioso como a inversão desses dados ocorreu na elaboração do relatório inicialmente divulgado. A errata trata a inversão meramente como uma troca de dados. Quem lê o relatório, porém, perceberá que não há apenas dados ou gráficos às páginas 22 e 23 do relatório. Há descrição e análise! Como foi possível descrever e analisar os dados sem desconfiar que algo estava fora do lugar, sobretudo tendo em vista a natureza da questão/frase? E o trabalho de supervisão da elaboração do relatório da pesquisa? Pesquisas desse porte não costumam ter seus resultados analisados e escritos por um único profissional. Normalmente é um trabalho em equipe. Ninguém percebeu que se estava afirmando que praticamente dois terços dos brasileiros concordavam com tamanha violência, uma espécie de barbárie?

65 ou 26? 26 ou 65? Invertendo ou não o algarismo seis de posição e modificando os percentuais, a violência existe. 65 são 2,5 vezes 26, mas não é a redução do percentual que vai mudar algo. Potencialmente e simbolicamente, a intolerância está tanto em um número quanto em outro. Trata-se de um fenômeno a ser objeto de observação e discussão não só por formuladores de políticas públicas, como também por profissionais do mundo da moda e da indústria do vestuário, em geral.