terça-feira, 27 de março de 2012

Comércio (e consumo) de órgãos humanos

A vida é um drama. Não necessariamente com um final feliz. Milhares de pessoas precisam e esperam a doação de algum órgão, como rim, fígado, córnea, para a realização de transplantes e tentativa de prolongar o tempo de vida. Nem sempre, contudo, as doações acontecem. Isso faz com que se discuta sobre, e pressione para, a liberação do comércio de órgãos humanos.

Há vários anos - mais de uma década -, tem-se tentado promover um debate sobre essa questão. A liberalização do comércio legitimaria o consumo de órgãos humanos por humanos. Os defensores do livre comércio, liberais em essência, acreditam que a comercialização de órgãos resolveria uma série de problemas e ajudaria a salvar vidas. Aqueles que são contra argumentam, principalmente, que um comércio dessa natureza ultrapassaria limites do ponto de vista moral e induziria pessoas sem rendimento econômico a se mutilarem para vender seus próprios órgãos, como o rim.

A rigor, qualquer que seja a posição que se venha a ter sobre essa questão, ela envolve uma lógica perversa de construção e formatação de um mercado que, antes de mais nada, atende aos interesses das indústrias médica, hospitalar e farmacêutica.

Obs.: a foto acima é de um outdoor na Estação de Metrô Queensway, localizada em Bayswater Road, Londres, Inglaterra.

Esse post compõe uma série chamada “Nota de Viagem”. Trata-se de um conjunto de pequenas observações realizadas durante viagens.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Triste dia do consumidor

Por:  Francisco Giovanni Vieira*  e  Alexandre Faria**

O dia é do consumidor individual, mas talvez não tenhamos muitos motivos para comemorar. Grandes empresas e organizações do governo continuam fazendo muito mais barulho acerca da importância do consumidor e sobre quanto o valorizam, do que de fato agem concretamente nesse sentido.

O problema não é somente as empresas privadas. As agências de regulação, como a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) e ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), para citar algumas, não têm desempenhado a contento o papel para o qual foram criadas. O consumidor individual costuma ficar desamparado devido à falta de fiscalização efetiva dessas agências governamentais, enquanto os consumidores organizacionais ficam cada vez mais fortes. Os Procons procuram fazer o contrapeso defendendo o consumidor individual, mas não conseguem de modo efetivo. Grandes companhias que são campeãs nos rankings de reclamações e que sabem fazer valer seu poder quando agem como consumidoras organizacionais perceberam que é mais simples e prático pagar multas – isso quando o governo consegue multá-las – do que cumprir rigorosamente os contratos ou ouvir o consumidor individual. A relação entre as organizações privadas e governamentais e o consumidor individual continua amplamente assimétrica.

O mito da soberania do consumidor individual, difundido há mais de cinquenta anos e reforçado no Brasil pelo Código de Defesa do Consumidor, já há muito não se sustenta. Empresas de alimentos reduzem diuturnamente o tamanho das embalagens e, por conseguinte, o peso e a quantidade dos produtos, praticando, porém, os mesmos preços, e nada acontece. O consumidor individual não é informado com clareza que está pagando o mesmo preço, só que por uma quantidade menor de produto.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), por sua vez, tem agido de forma conservadora e geralmente em favor das grandes empresas nos casos e processos de fusão e aquisição empresarial. Isso tem resultado em processos de concentração em diversos setores de mercado, criando, na prática, verdadeiros monopólios disfarçados na economia brasileira. Em nome da eficiência de gestão e de que o Brasil poderá ser mais competitivo em termos de exportação, o consumidor tem menos opções para a compra e passa a depender de um número reduzido de empresas, que abusam de seu poder na oferta e distribuição de produtos extremamente importantes para a sociedade, como alimentos, por exemplo. Nos Estados Unidos e na Europa o quadro não é muito diferente, mas outras forças vêm sendo mobilizadas para contrabalançar as relações de assimetria. No Brasil os obstáculos à concentração de poder e à assimetria ainda são muito precários e, curiosamente, esse quadro ajuda a explicar por que grandes empresas americanas e européias fazem no Brasil o que não fazem em seus países. Por um lado, empresas ficam cada vez mais poderosas como produtoras e consumidoras, por outro lado, o consumidor individual paga o preço amargo.

Em diversas cidades do país, o ato de consumir se tornou uma verdadeira aventura a céu aberto. O consumidor encontra falsas ofertas e promoções em que a redução dos preços é coisa para inglês ver; grande número de vendedores mal gerenciados, treinados e preparados para exercerem um bom atendimento; estacionamentos com preços exorbitantes e flanelinhas ilegais que atentam contra a segurança; restaurantes cujos exaustores não funcionam e de onde se sai praticamente defumado após as refeições; ruas sem iluminação suficiente e dezenas de avenidas sem um único semáforo para o consumidor-pedestre que vai às compras.

Embora controverso, é necessário avançar no entendimento da relação entre consumo e cidadania, especialmente no que diz respeito ao consumidor individual. Quando o consumidor é a grande empresa ou o governo, o quadro é bem diferente. Será que o dia do consumidor será comemorado somente por consumidores organizacionais (grandes empresas e organizações do governo)? E o consumidor individual? De fato, há mais coisas entre o céu e a terra do que pode supor a nossa vã imaginação.

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* Francisco Giovanni Vieira é professor e pesquisador da UEM.

** Alexandre Faria é professor e pesquisador da EBAPE-FGV.

Obs.: os autores agradecem os comentários do Prof. Reginaldo Dias (UEM) ao texto inicial desse post.

domingo, 11 de março de 2012

Moça com Brinco de Pérola

Holanda, Século XVII. Um pintor em dificuldades financeiras (Johannes Vermeer). Uma empregada doméstica (Griet) que de repente passa a ser sua assistente no estúdio e, mais que isso, torna-se modelo de um dos seus quadros mais importantes. Uma sogra dominadora que controla as finanças da casa (Maria Thins). Uma esposa enciumada que mais serve como peça de decoração (Catharina Bolnes Vermeer). Um jovem açougueiro que se apaixona pela empregada (Pieter). Um mecenas de moral questionável (Peter Van Rujven). Esses são os elementos que compõem o enredo de um belo filme que aborda a criação, em 1655, de uma obra ímpar das artes plásticas e que hoje está exposta no Museu Mauritshuis, na cidade de Haia.

Moça Com Brinco de Pérola (Reino Unido/Luxemburgo, 2003, Biografia/Drama, 99 minutos, 12 anos), direção de Peter Webber, roteiro de Olivia Hertreed, com Scarlett Johansson (Griet), Colin Firth (Johannes Vermeer), Tom Wilkinson (Peter Van Rujven), Cillian Murphy (Pieter), Judy Parfitt (Maria Thins), Essie Davis (Catharina Bolnes Vermeer) e Joanna Scalan (Tanneke), é repleto de imagens, sombras e luzes, absolutamente incomuns no mundo do cinema, com fotografia e enquadramentos que fazem não piscar os olhos.

Além de nos brindar com sua riqueza fotográfica, esse filme nos dá a possibilidade de observar que boa parte dos quadros que hoje em dia são considerados geniais, de alguma maneira, a princípio, foi meramente uma forma de prover o sustento da família e garantir a sobrevivência. Naturalmente, isso em nada diminui a genialidade artística neles contida. Mas, desmistifica e contextualiza, a um só tempo, o universo da arte como um universo de consumo.

Esse post compõe uma série chamada “Filme”. Trata-se de sugestões de filmes.

domingo, 4 de março de 2012

Memória esquecida

Dizem que brasileiro esquece facilmente amanhã o que aconteceu hoje. Talvez por conta disso o Brasil seja considerado um país sem memória. Fato ou lenda urbana, uma forma de verificar essa condição pode se dar por meio da quantidade de museus existentes no país, bem como do comportamento que as pessoas têm quanto à iniciativa em visitá-los.

A propósito, quantas pessoas adultas você conhece que mencionaram ter visitado um museu nos últimos meses ou anos? Passeios em museus ficaram restritos às atividades das escolas com professoras do ensino fundamental e médio. O consumo em torno de museus no nosso país é algo quase que inexistente, seja por programas de visitação ou por aquisição de suvenir.

A sociedade moderna cultua o novo. A própria imprensa, ávida por audiência, produz e reproduz esse comportamento em suas páginas, portais e programas ao dar largo espaço para o efêmero como as tais celebridades ou os lugares da moda. É lamentável ver que museus como, por exemplo, o Museu do Ipiranga, localizado na cidade de São Paulo, não sejam valorizados ou lembrados à altura da importância que possuem para a memória do país.

Obs.: a imagem acima, à esquerda, é do Museu do Ipiranga, também conhecido como Museu Paulista da Universidade de São Paulo.

Referências Conexas

Fitchett, J. A. & Saren, M. (1998). Baudrillard in the museum: the value of dasein. Consumption, Markets & Culture, 2(3), p. 311-335.

Ieda Tucherman, I. & Cavalcanti, C. C. B. (2010). Museus: dispositivos de curiosidade. Comunicação, Mídia e Consumo, 7(2), p. 141-158.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Consumo e coleções de marcas

Não é raro conhecermos alguém que colecione alguma coisa. Quem não conhece, ao menos já ouviu falar. Alguns colecionadores alardeiam suas coleções aos quatro cantos enquanto outros se mantêm em silêncio e agem de forma bastante discreta. Em qualquer um dos casos, o comportamento do colecionador é um forte impulsionador do consumo de objetos materiais. Inúmeras empresas almejam ter suas marcas não só consumidas, mas especialmente adquiridas para coleção. A pesquisadora Olga Maria Coutinho Pépece lança um olhar sobre esse fenômeno por meio do texto “Estilo único? Durabilidade? Edições exclusivas? O que uma marca precisa ter para ser colecionada”, que é um dos capítulos que compõem o livro “Consumo: Práticas e Narrativas”, organizado por Kathia Castilho e Sylvia Demetresco, publicado em 2011 pela Estação das Letras e Cores. Em seu texto, a pesquisadora trata de diferentes possibilidades que movimentam o ato de colecionar e fornece pistas que ajudam a entender como determinadas marcas transcendem o mero consumo e se tornam objeto de coleção.

Esse post compõe uma série chamada “Olhar Acadêmico”. Trata-se de breves observações realizadas sobre trabalhos acadêmicos na forma de artigos, dissertações, teses ou livros relacionados direta ou indiretamente ao campo de cultura e consumo.