domingo, 1 de abril de 2012

O equívoco do Critério Brasil

A adoção de critérios de classificação econômica no Brasil tem uma longa história de desencontros e questionamentos. Se definir um critério padronizado para verificação de classes econômicas já não é tarefa simples, no Brasil torna-se ainda mais complexa. O país é extenso geograficamente, possui regiões com características bastante heterogêneas em termos de produção econômica e emprego de mão-de-obra e tem experimentado mudanças subsequentes no poder aquisitivo e na composição da cesta de consumo da população.

Os primeiros esforços para a definição de um critério único de classificação econômica remontam aos anos 1970 com as ações desenvolvidas pela Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) e, posteriormente, pela Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado (ABIPEME). A ação conjunta dessas duas associações resultou no que durante um bom tempo ficou conhecido como o Critério ABA-Abipeme de classificação econômica. Mais recentemente, especialmente a partir dos anos 2000, ganhou evidência o Critério de Classificação Econômica Brasil desenvolvido e atualizado anualmente pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Em linhas gerais, inclusive do ponto de vista metodológico, esse critério é uma espécie de sucessor dos critérios anteriores.

Embora seja útil para o balizamento de diversas ações relacionadas à produção e consumo de bens e serviços, o Critério Brasil – como ficou conhecido o critério da ABEP – supervaloriza a educação de nível superior no seu cálculo de composição. Na versão mais recente do Critério Brasil, divulgada em fevereiro deste ano, a ABEP continua atribuindo 8 pontos para o curso superior completo dentro da dimensão Grau de Instrução do chefe da família. Desse modo, e considerando as diferentes pontuações na composição do cálculo do Critério, possuir diploma de curso superior completo equivale a dispor de 2 empregadas mensalistas (4 pontos) mais duas máquinas de lavar (2 pontos) e dois aparelhos de freezer (2 pontos).

Provavelmente há algum equívoco nesse cálculo. O ensino superior experimentou uma larga expansão no Brasil a partir da segunda metade dos anos 1990, momento de crescimento na oferta de cursos com formação presencial, e continua a se expandir até os dias de hoje, momento em que tem uma forte oferta de cursos com formação por meio de educação a distância. O que era de acesso difícil e restrito em décadas anteriores, já não é mais. Em outras palavras, há muito mais gente com diploma de curso superior hoje em dia. O efeito colateral é que a formação em curso de nível superior não é remunerada da mesma maneira em que foi no passado.

Desse modo, se a posse de diploma de curso superior não é sinônimo de maior poder aquisitivo, ela também não representa maior capacidade de consumo e, consequentemente, condição de pertencimento a uma classe econômica mais elevada como propõe o Critério Brasil. Ao atribuir 8 pontos para o chefe de família portador de diploma de curso superior no seu cálculo de classificação econômica, o Critério Brasil comete o equívoco de supervalorizar a formação em curso de nível superior como determinante de poder aquisitivo.

Em um momento em que tanto se fala sobre consumo na baixa renda, base da pirâmide, mobilidade sócio-econômica e classe C no país, vale a pena observar mais de perto como são definidos os critérios de classificação econômica.

Referências Conexas

Mattar, F. N. (1995). Análise crítica dos estudos de estratificação sócio-econômica de ABA-Abipeme. Revista de Administração, 30(1), p. 57-74.

Santos, J. A. F. (2005). Uma classificação socioeconômica para o Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 20(58), p. 27-46.

15 comentários:

  1. Olá professor,

    Ótima discussão.
    Construir um critério de classificação é muito difícil, quanto mais em um país com dimensões sociais tão heterogêneas como o senhor comenta no post. Mas, para se aferir conclusões e interpretações em nível nacional, tem que se adotar um critério padrão. Com certeza um critério que objetiva generalização neste contexto nacional, será vulnerável e alvo de muitas críticas.
    Porém, isso não isenta as instituições que constroem estes critérios, de buscar a melhor maneira de uma possível generalização. Não é mais novidade que a classe C (ou classe média, ou base da pirâmide ou baixa renda...) está totalmente inserida no mercado de consumo com papel fundamental na economia nacional. Se economicamente este classe é essencial para o país, educacionalmente também existe um fenômeno parecido. A quantidade de diplomas entregues por ano também aumentou e continuará aumentando.
    Se o grau de escolaridade tem tamanho peso em uma das formas de classificação econômica mais utilizadas em pesquisas acadêmicas e de mercado, a revisão sugerida pelo senhor se torna necessária.
    Quais são as semelhanças e diferenças entre um diploma de ensino superior e os pertences como máquina de lavar, freezer, quantidade de banheiros TV's e rádio?

    Um abraço!
    Vitor Nogami

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    1. Vitor,

      Grato pela visita ao blog.

      É difícil mencionar diferenças e semelhanças, mas há muitos chefes-de-família que não possuem os aparelhos usados no sistema de pontuação da ABEP. Por outro lado, presume-se que quem possui duas empregadas mensalistas em casa possui alto poder aquisitivo, pois só os salários e encargos das duas empregadas são equivalentes ao que se considera como renda média na classe C. O fato de ter o diploma é equivalente a essa situação. Não me parece razoável esse cálculo. Por isso o motivo do post.

      O IBGE divulgou um estudo no início do ano, e que foi comentado em reportagem assinada por Mariana Schreiber na Folha de S. Paulo de 21/02/2012, Caderno Poder, que nos últimos 8 anos o ganho de quem fez faculdade teve 0,3% de aumento real, contra 30,6% daqueles com nível fundamental. Segundo os dados divulgados, "(...) a renda dos trabalhadores com diploma universitário ficou praticamente estagnada de 2003 a 2011".

      Olhando para esses dados é menos aceitável ainda considerar que o Critério Brasil esteja fazendo um cálculo razoável ao considerar 8 pontos para quem possui diploma superior e que, em outras palavras, isso signifique maior nível econômico.

      É lamentável, mas não faz sentido!

      Um abraço,

      Francisco Giovanni Vieira

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    2. Olá professor,

      Obrigado por comentar. Essa informação eu não conhecia.

      "...nos últimos 8 anos o ganho de quem fez faculdade teve 0,3% de aumento real, contra 30,6% daqueles com nível fundamental..."

      Simplesmente inacreditável!

      Não posso trocar minha graduação por dois títulos do ensino fundamental?

      A prostituição do ensino, especificamente o ensino superior, demonstram como está o setor da Educação em nosso país.

      Um abraço!
      Vitor

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    3. Vitor,

      não diria que existe uma prostituição do ensino superior. O grande "vilão", pelo menos para mim, é o MEC que engessa a possibilidade de existir cursos de graduação com diferentes formatações e voltados para segmentos específicos. DE tal modo, que um administrador formado em Maringá possui um "conhecimento" muito próximo de um formado em Juiz de Fora ou Curitiba. Dessa maneira, aumenta e muito o contingente de mão de obra disponível no mercado de trabalho, reduzindo cada vez mais o valor intrínseco de possuir um título de bacharel em administração. Algo semelhante tem acontecido com a função dos professores universitários. Com um número cada vez maior de mestres e doutores o valor atribuído a ambos tende a cair, como já vem caindo.

      Por fim, devemos levar em consideração o fato de que quando uma pessoa consegui um título de bacharel independentemente da área, maior tende ser a rejeição dela para trabalhar com tarefas "de qualificação menor", isto é, profissões que são formadas por curso técnico. De tal modo, que a escassez no mercado dessa mão de obra eleva o valor (da utilidade e financeiro) dessa função.

      Um exemplo bem prático: Eu preciso trabalhar em duas instituições para ter um rendimento financeiro próximo do que um mestre de obras, que possui apenas o ensino fundamental, ganha hoje em dia. :-)

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    4. Ronei, com todo respeito, mas é preciso separar as coisas.

      Acho totalmente válido você reclamar da sua remuneração, cada um tem a livre vontade de manifestar-se da maneira que lhe convém.

      Só não acho válido esse tipo de comparação entre profissões que você mencionou, você de certa forma desvaloriza e menospreza alguém que tem "apenas o ensino fundamental".

      Resumindo, se você faz o que gosta e sente-se feliz com sua profissão, não tem porque desvalorizar (invejar) a profissão de ninguém.

      Reflita...

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    5. Sinceramente acho que é você que deve fazer um exercício de reflexão sobre a sua capacidade de interpretação de texto.

      Em nenhum momento reclamei da minha remuneração, muito menos demonstrei insatisfação com a mesma ou desvalorizei uma pessoa apenas por ter um ensino fundamental. Muito pelo contrário, seria mais fácil para mim desvalorizar alguém por ela ter um diploma do que por ela ter apenas o ensino fundamental.

      Apenas reforcei com um exemplo prático o argumento do post e o motivo dessa redução do ganho do bacharel não ser consequencia de uma 'prostituição' do ensino superior.

      A realidade é que um diploma de curso superior não passa de um simples papel sem valor, no que se refere a aumento do poder aquisitvo, principalmente se a formação a qual ele concede está em uma situação de excesso de oferta e baixa demanda no mercado. Por outro lado, uma pessoa com apenas o ensino fundamental(que de acordo com os critérios deveria ter menos poder aquisitivo que um bacharel, por exemplo), sem nunca ter pisado em uma sala de aula de uma Universidade, desde que tenha capacidade para atuar em um setor com pouca oferta de mão de obra e muita demanda no mercado possuirá uma utilidade superior que a primeira pessoa, o que consequentemente tende a se refletir na remuneração. As simples e irrefutáveis(pelo menos até o momento) lei da oferta e da procura e da utilidade Marginal.

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  2. Giovanni, sua abordagem é perfeita, e vou ilustrar mais um fato para seu deleite: quando inauguramos uma loja na cidade de Porto Nacional, entrevistei mais de 400 pessoas, e um número de pelo menos umas 100 delas tinha formação técnica em enfermagem. E eu sempre perguntava a cada uma por que escolheu fazer esse curso e por que não estava atuando na área. A resposta era sempre a mesma: o governo dava bolsa e remunerava com mais 100 reais os estudantes matriculados. A cidade tem 50 mil habitantes e está longe de conseguir absorver a mão de obra que conclui os cursos técnicos. Outro tanto de desempregados têm formação superior em geografia, história, contábeis e engenharia ambiental!

    Em outras palavras: o Brasil está proporcionando formação acessível ao povo mas não tem capacidade de absorver a mão de obra. Esse fato engrossa sua indignação com a credibilidade dessa pesquisa e provoca mais uma: o serviço de inteligência do governo não é capaz de identificar as necessidades para o mercado de trabalho para fomentar ensino técnico dirigido para as profissões onde haja demanda de mão de obra especializada?!

    Grande abraço!
    Adriano Berger

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  3. Boa noite, Professor.

    Interessado no texto redigido, gostaria de saber se existem critérios que possam ser substitutos em potencial do critério Brasil.

    Atenciosamente, Pedro

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  4. Francisco,

    No próprio site da ABEP, há um estudo com razoável aprofundamento estatístico que explica a construção do Critério Brasil. Recomendo a leitura. Não sou estatístico, mas professor de marketing e o Critério Brasil tenta resolver uma classificação mais absurda ainda: aquela que diz que uma família com renda de 2.000 mensais é classe C.

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    1. Pessoal,as empresas mandam seus pesquisadores a campo com cotas de classe "DE"(até 13 pts),PERGUNTAS:
      -Eles acham facilmente?
      -Acham todas que precisam?
      -Façam um exercício com o CB,quais itens precisam ter para ser classe D?
      -Vão as ruas e façam esse exercício,será que vão encontrar facilmente?
      -Hoje com o efeito das "Casas Bahia",todos possuem o básico,que é 1 banheiro 4pts 1tv 1pt 1 radio 1pt 1 geladeira uma porta 4pt o grande vilão do entrevistador que é o DVD 2pts,ah!e torcer para que o chefe da família não tenha o fundamental completo que são 2 pts e aí então temos uma classe"C2" 14 pts.
      -Alguém tem que ter iniciativa para tomar a frente e rever a tão falada classe "D".
      -Quando encontramos a classe "D",ao invés de encontrarmos uma família de baixa renda,o que encontramos na verdade são famílias desestruturadas que não podem responder e nem representar pela porcentagem que pedem os nossos estatísticos.
      -Façam esse exercício,peguem um dia o critério Brasil,vá a rua e veja se é fácil encontrar uma classe "D",como antes do Plano Real.
      -Mas só me respondam se realmente fizeram o exercício,usando todos os critérios,filtros,etc.
      -Não respondam se não foram as ruas e não sentiram na pele a dificuldade do entrevistador.
      -Um grande abraço.

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    2. É amigo,é aquela velha história todo mundo vê,mas ninguém dá descarga.

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    3. Prezados Anônimos,

      Vou regularmente às ruas entrevistar pessoas e coletar dados. De fato, não é simples encontrar alguém que se encaixe no que o Critério Brasil da ABEP define como classe D e muito menos como classe E.

      O Critério precisa ser urgentemente revisto. Os itens e os pesos em cada um dos itens para a ponderação final precisam ser revistos mais uma vez. Já o foram no passado e precisam ser revistos mais uma vez.

      A mídia de difusão na área de negócios no Brasil está encantada com a mobilidade social brasileira e publica matérias sobre consumo nas classes C e D com grande destaque. Alguém deveria sugerir que colocassem em pauta uma matéria especial sobre como se chaga à definição das classes de rendimento econômico.

      Se tiverem um tempinho sugiro lerem também um outro post aqui no blog sobre esse assunto: http://culturaeconsumo.blogspot.com.br/2012/09/o-encanto-pela-nova-classe-media.html

      Obrigado pela visita ao blog!

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  5. Para completar e não solucionar nada,segue abaixo algumas orientações do próximo Critério Brasil 2013,o que mostra que quem elabora não entende de campo.


    ABEP - Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa – 2012 – www.abep.org – abep@abep.org
    Dados com base no Levantamento Sócio Econômico 2010 - IBOPE
    1
    Alterações na aplicação do Critério Brasil, válidas a partir de 01/01/2013
    A dinâmica da economia brasileira, com variações importantes nos níveis de renda e na posse de
    bens nos domicílios, representa um desafio importante para a estabilidade temporal dos critérios
    de classificação socioeconômica. Em relação ao CCEB, os usuários têm apresentado dificuldades
    na manutenção de amostras em painel para estudos longitudinais. As dificuldades são maiores na
    amostragem dos estratos de pontuação mais baixa.
    A ABEP vem trabalhando intensamente na avaliação e construção de um critério que seja fruto da
    nova realidade do país. Porém, para que os estudos produzidos pelos usuários do Critério Brasil
    continuem sendo úteis ao mercado e mantenham o rigor metodológico necessário, as seguintes
    recomendações são propostas às empresas que tenham estudos contínuos, com amostras em
    painel:
    · A reclassificação de domicílios entre as classe C2 e D deve respeitar uma região de
    tolerância de 1 ponto, conforme descrito abaixo:
    o Domicílios classificados, no momento inicial do estudo, como classe D --> são
    reclassificados como C2, apenas no momento em que atingirem 15 pontos;
    o Domicílios classificados, no momento inicial do estudo, como classe C2 --> são
    reclassificados como D, apenas no momento em que atingirem 12 pontos;
    o O momento inicial de estudos desenvolvidos a partir de amostra mestra é o da
    realização da amostra mestra;
    o O momento inicial de estudos desenvolvidos sem amostra mestra é o da primeira
    medição (onda) do estudo.
    IMPORTANTE: As alterações descritas acima são apenas para os estudos que usem amostras
    contínuas em painéis. Estudos ad hoc e estudos contínuos, com amostras independentes, devem
    continuar a aplicar o Critério Brasil regularmente.
    Outra mudança importante no CCEB é válida para todos os estudos que utilizem o Critério Brasil.
    As classes D e E devem ser unidas para a estimativa e construção de amostras. A justificativa para
    esta decisão é o tamanho reduzido da classe E, que inviabiliza a leitura de resultados obtidos
    através de amostras probabilísticas ou por cotas, que respeitem os tamanhos dos estratos.
    A partir de 2013 a ABEP deixa de divulgar os tamanhos separados destes dois estratos.

    Um abraço.

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