O futebol é, antes de tudo, um esporte coletivo. Há diferentes
funções exercidas por cada um dos membros da equipe e diversas formações
táticas em que cada uma das funções tem importância para a conquista da
vitória. É curioso como ao longo do tempo, em diferentes lugares, mas
especialmente no Brasil, o artilheiro, o jogador que faz o gol, tornou-se o
mais importante ou pelo menos o mais valorizado da equipe.
Não quero dizer aqui, a exemplo do que afirmou um ex-técnico
da Seleção Brasileira de Futebol, que o gol é apenas um detalhe. Mas o fato é que
se forjou o artilheiro como superior aos demais membros da equipe. Em alguns
casos, esse mesmo artilheiro, que em geral é o centroavante, também consegue
driblar o adversário e obter performances plásticas que encantam a torcida do
seu clube.
Na música “É Uma Partida de Futebol”, gravada pela banda mineira
Skank, Samuel Rosa e Nando Reis afirmam que o centroavante é o mais importante.
Mas dizem, por outro lado, que é no meio-campo que estão os craques e que são eles
os regentes que levam a equipe para o ataque. É notável tal condição. O
centroavante é o mais importante, mas aparentemente não o seria se não fosse o
trabalho do craque – aquele que prepara a jogada para o gol.
Narradores e comentaristas de futebol, ao se apropriarem do
espetáculo proporcionado pelo futebol ao longo das transmissões de rádio e TV, criaram
a figura do garçom do futebol: aquele jogador que dá o último passe para que o
artilheiro faça o gol. Pela posição ocupada em campo e pela armação da jogada, o
que a crônica chama de garçom é, em grande parte das ocasiões, o craque do
time.
Ocorre que poucas coisas são tão díspares na mídia quanto os
comentários dos analistas de futebol. Ademais, o sentido que empregam à palavra
garçom não é, necessariamente, um sentido que coloque o craque em pé de
igualdade ao artilheiro. O garçom, enquanto categoria, ou o trabalho do garçom,
como expressão de condição social, não são objetos de glamour e não fazem parte da sociedade do espetáculo. Já o
artilheiro, o homem-gol, faz.
Ora impulsionado pela exaltação da crônica esportiva, ora inebriado
pela sua própria vaidade, o artilheiro, em geral, não sabe compartilhar, é avaro
– o popular fominha – e não reconhece a jogada do craque. Para constatar, basta
olhar como ele corre sozinho na comemoração do gol, invariavelmente em direção
oposta àquela de quem lhe deu o passe para a finalização – o craque, chamado de
garçom. É o autoconsumo do individualismo. A negação do trabalho coletivo no
momento mágico da comemoração do gol.
Referências Conexas
Referências Conexas
Bajde, D.
(2006). Other-centered behavior and the dialetics of self and other. Consumption Markets & Culture, 9(4), p. 301-316.
Campos, R. B. C. (2004). Sociedades complexas: indivíduo,
cultura e o individualismo. CAOS –
Revista Eletrônica de Ciências Sociais, (7), p. 8-22.
Kellner, D. (2003). A cultura da mídia e o triunfo do
espetáculo. Líbero, 6(11), p. 4-15.
Retondar, A. M. (2007). A (re)construção do indivíduo: a
sociedade de consumo como “contexto social” de produção de subjetividades. Sociedade e Estado, 23(1), p. 137-160.
Ótima abordagem, Giovanni! Essa é a diferença entre um craque e um babaca. Algumas vezes já vi, mas não me recordo o nome desses craques, quando o goleador corre em direção ao "garçom" e simula que está engraxando sua chuteira, em sinal de submissão e reconhecimento pela jogada que originou o gol. Isso sim é um jogador de esporte coletivo.
ResponderExcluirPor coincidência de temas, escrevi essa semana um texto sobre a geração Y no Foco em Gerações, ilustrando o crescimento do interesse pelo esporte individual, e convido-o a leitura: http://www.focoemgeracoes.com.br/index.php/2012/06/11/a-relacao-da-geracao-y-com-o-esporte-individual/
Grande abraço!
Adriano
Olá, Adriano!
ExcluirObrigado pela visita. Essa imagem do goleador simulando engraxar a chuteira do "garçom" eu já vi, repetidas vezes, em transmissões de jogos europeus. Lembro-me que vi o Robinho fazer isso em um jogo do Milan - é o caso do brasileiro que vai jogar na Europa e aprende o sentido coletivo do esporte.
Obrigado, também, pela dica sobre o seu post. Passei por lá e o li. O tema da individualidade, não exatamente na geração Y, mas entre crianças, é objeto de um estudo vinculado a Cultura e Consumo que pretendo fazer no futuro.
Um abraço,
Francisco Giovanni