segunda-feira, 11 de junho de 2012

O garçom do futebol e o autoconsumo do individualismo


O futebol é, antes de tudo, um esporte coletivo. Há diferentes funções exercidas por cada um dos membros da equipe e diversas formações táticas em que cada uma das funções tem importância para a conquista da vitória. É curioso como ao longo do tempo, em diferentes lugares, mas especialmente no Brasil, o artilheiro, o jogador que faz o gol, tornou-se o mais importante ou pelo menos o mais valorizado da equipe.

Não quero dizer aqui, a exemplo do que afirmou um ex-técnico da Seleção Brasileira de Futebol, que o gol é apenas um detalhe. Mas o fato é que se forjou o artilheiro como superior aos demais membros da equipe. Em alguns casos, esse mesmo artilheiro, que em geral é o centroavante, também consegue driblar o adversário e obter performances plásticas que encantam a torcida do seu clube.

Na música “É Uma Partida de Futebol”, gravada pela banda mineira Skank, Samuel Rosa e Nando Reis afirmam que o centroavante é o mais importante. Mas dizem, por outro lado, que é no meio-campo que estão os craques e que são eles os regentes que levam a equipe para o ataque. É notável tal condição. O centroavante é o mais importante, mas aparentemente não o seria se não fosse o trabalho do craque – aquele que prepara a jogada para o gol.

Narradores e comentaristas de futebol, ao se apropriarem do espetáculo proporcionado pelo futebol ao longo das transmissões de rádio e TV, criaram a figura do garçom do futebol: aquele jogador que dá o último passe para que o artilheiro faça o gol. Pela posição ocupada em campo e pela armação da jogada, o que a crônica chama de garçom é, em grande parte das ocasiões, o craque do time.

Ocorre que poucas coisas são tão díspares na mídia quanto os comentários dos analistas de futebol. Ademais, o sentido que empregam à palavra garçom não é, necessariamente, um sentido que coloque o craque em pé de igualdade ao artilheiro. O garçom, enquanto categoria, ou o trabalho do garçom, como expressão de condição social, não são objetos de glamour e não fazem parte da sociedade do espetáculo. Já o artilheiro, o homem-gol, faz.

Ora impulsionado pela exaltação da crônica esportiva, ora inebriado pela sua própria vaidade, o artilheiro, em geral, não sabe compartilhar, é avaro – o popular fominha – e não reconhece a jogada do craque. Para constatar, basta olhar como ele corre sozinho na comemoração do gol, invariavelmente em direção oposta àquela de quem lhe deu o passe para a finalização – o craque, chamado de garçom. É o autoconsumo do individualismo. A negação do trabalho coletivo no momento mágico da comemoração do gol.

Referências Conexas

Bajde, D. (2006). Other-centered behavior and the dialetics of self and other. Consumption Markets & Culture, 9(4), p. 301-316.

Campos, R. B. C. (2004). Sociedades complexas: indivíduo, cultura e o individualismo. CAOS – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, (7), p. 8-22.

Kellner, D. (2003). A cultura da mídia e o triunfo do espetáculo. Líbero, 6(11), p. 4-15.

Retondar, A. M. (2007). A (re)construção do indivíduo: a sociedade de consumo como “contexto social” de produção de subjetividades. Sociedade e Estado, 23(1), p. 137-160.

2 comentários:

  1. Ótima abordagem, Giovanni! Essa é a diferença entre um craque e um babaca. Algumas vezes já vi, mas não me recordo o nome desses craques, quando o goleador corre em direção ao "garçom" e simula que está engraxando sua chuteira, em sinal de submissão e reconhecimento pela jogada que originou o gol. Isso sim é um jogador de esporte coletivo.

    Por coincidência de temas, escrevi essa semana um texto sobre a geração Y no Foco em Gerações, ilustrando o crescimento do interesse pelo esporte individual, e convido-o a leitura: http://www.focoemgeracoes.com.br/index.php/2012/06/11/a-relacao-da-geracao-y-com-o-esporte-individual/

    Grande abraço!
    Adriano

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    1. Olá, Adriano!

      Obrigado pela visita. Essa imagem do goleador simulando engraxar a chuteira do "garçom" eu já vi, repetidas vezes, em transmissões de jogos europeus. Lembro-me que vi o Robinho fazer isso em um jogo do Milan - é o caso do brasileiro que vai jogar na Europa e aprende o sentido coletivo do esporte.

      Obrigado, também, pela dica sobre o seu post. Passei por lá e o li. O tema da individualidade, não exatamente na geração Y, mas entre crianças, é objeto de um estudo vinculado a Cultura e Consumo que pretendo fazer no futuro.

      Um abraço,

      Francisco Giovanni

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