terça-feira, 28 de junho de 2011

A quem interessa a fusão entre o Pão de Açúcar e o Carrefour?

Os arquitetos de operações de mercado como aquisições, joint ventures, holdings e, especialmente, fusões, frequentemente lançam mão do argumento de que são boas para o país ou para o consumidor. Será?

De forma rápida e simples, resgatemos alguns casos recentes ocorridos no mercado brasileiro ou a ele relacionados. Houve uma fusão da Antarctica com a Brahma e constituiu-se a AmBev (momento 1). Posteriormente, ocorreu nova fusão entre a AmBev e a Interbrew, empresa belga, e formou-se a InBev (momento 2). Mais adiante, aconteceu uma outra fusão, dessa feita entre a InBev e a Anheuser-Busch, empresa estadounidense, criando-se a AB InBev (momento 3).

Em todos os momentos, os argumentos foram os mais nobres possíveis: desde o fortalecimento do mercado interno contra a entrada de grandes marcas internacionais à ideia de que já era hora de internacionalizar marcas brasileiras como, no caso, a Brahma. Seria bom perguntar àqueles que operam em pontos de vendas de bebida, especialmente no varejo de rua, o que acharam disso tudo! Ademais, é possível encontrar Stella Artois e Budweiser no Brasil, mas, aparentemente, o mesmo não ocorre com a Brahma na Europa e nos Estados Unidos.

Em outros casos, não no setor de bebidas, mas no varejo de eletrodomésticos, várias aquisições foram realizadas em tempos recentes: o Grupo Pão de Açúcar comprou as Casas Bahia e também o Ponto Frio, enquanto a Magazine Luiza comprou as lojas do Baú da Felicidade. Todo esse movimento no varejo de eletrodoméstico tem resultado em preços semelhantes. Em um trabalho de campo, conversei pessoalmente com uma vendedora de uma dessas lojas e ela me informou que após passarem a pertencer a um mesmo grupo, o Ponto Frio e as Casas Bahia não competem como antes e os descontos a serem repassados aos consumidores por meio de preços menores não ocorrem com a mesma frequência.

A fusão entre o Pão de Açúcar e o Carrefour não deverá criar um cenário diferente daquele criado por outras fusões e aquisições. Qualquer que seja a razão que tenha motivado a fusão, ela implica em excessivo poder de mercado. Lamentavelmente, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) não parece ter feito muita coisa para intervir nesse tipo de situação, assim como agências governamentais têm demonstrado pouca capacidade de regulação. Afora isso, fusões e aquisições ainda contam com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que poderia muito bem fomentar a pequena e média empresa em lugar de intensificar o já conhecido capitalismo de estado no país.

Aquisições, joint ventures, holdings e, especialmente, fusões, interessam mais às organizações empresariais do que aos consumidores. Esses últimos são constantemente usados como justificativa para as embrulhadas de mercado. Porém, sempre perdem. Quase tanto quanto os empregados das empresas que passam por fusão. Uma forte concentração prejudica a indústria e mais ainda os consumidores, que têm pequeno poder de agência. Fusões e aquisições como essa ocorrida entre o Pão de Açúcar e o Carrefour apenas recrudescem o caráter assimétrico das relações de consumo no mercado brasileiro.

Adendo, 29 de junho de 2011:

A manchete de primeira página no dia de hoje do principal jornal do país está na imagem abaixo. O que poderia ser feito para e por pequenas e médias empresas com R$ 4 bilhões ? O que isso significaria em termos de alavancagem da economia como um todo e na criação de novas oportunidades, tanto de negócios quanto de consumo?




Esse post compõe uma série chamada “Web News”. Trata-se de observações realizadas acerca de notícias relacionadas à temática de cultura e consumo publicadas na World Wide Web.

7 comentários:

  1. “Afora isso, fusões e aquisições ainda contam com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que poderia muito bem fomentar a pequena e média empresa em lugar de intensificar o já conhecido capitalismo de estado no país.”

    Exato mestre. Linhas de crédito para micro, pequena e média empresa, como PROGER e FINAME, que são fomento dos investimentos estão contingenciadas e a burocracia é cada vez maior. Reflexo de dinheiro mal investido.
    Parabéns pelo artigo.

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  2. Prezado Erasmo,

    Obrigado pela visita ao Blog e pelo comentário.

    Vieira

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  3. Uma breve e superficial diferença entre o sistema capitalista para os sistemas socialista e comunista é que no primeiro é permitido que a sociedade civil possua seus próprios direitos e deveres, promovendo um certo grau de "liberdade" para as pessoas e consequentemente para os consumidores.
    O mesmo sistema que proporciona essa "liberdade" ao permitir grandes fusões como as citadas no post, faz com que o mercado seja regulado por poucas instituições, tirando o direito de liberdade de escolha do consumidor.
    Ao permitir esse monopólio o Governo prejudica a concorrência, as médias e pequenas empresas e por fim o consumidor (sociedade civil).
    Como citado pelo colega Erasmo, dinheiro mal investido!!!

    Vitor Nogami

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  4. Querido amigo Giovanni, essa possível fusão é tão lamentável quanto criminosa, e poucos consumidores são capazes de mensurar o prejuízo que isso pode causar para as indústrias e fornecedores do segmento supermercadista. Isso mesmo, as indústrias é que vão sentir no bolso o peso dessa parceria.

    Sem mais delongas, pois esse assunto me revolta demais, vou pedir sua licença para disponibilizar aqui um link para um post de meu blog onde eu abordei exatamente esse aspecto e seus prejuízos para a economia brasileira: http://nanoberger.blogspot.com/2010/10/nossos-supermercados-ja-nao-sao-mais.html

    Parabéns pela crítica e pela abordagem sempre muito inteligente dos fatos!

    Abraços,
    Adriano Berger

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  5. É fato que tais fusões impedem a livre concorrência e fomentam o surgimento de conglomerados que passam como tratores sobre os comerciantes regionais.

    O BNDS deve rever o seu conceito de desenvolvimento e priorizar setores que criam novas oportunidades. Pois como disse nosso colega Berger no seu blog, é falácia dizer que estas empresas abrirão novas unidades e criarão novos postos de trabalho. O que farão de fato é comprar unidades regionais e no máximo manter os empregados atuais.

    Diante disso duas coisas me intrigam:

    A omissão do CADE que é um órgão vinculado ao Ministério da Justiça que tem como função, entre outras, “ analisar os efeitos desses negócios, em particular, nos casos em que há a possibilidade de criação de prejuízos ou restrições à livre concorrência”.

    E a alienação da população que sequer se interessa em conhecer o que está acontecendo na economia, mesmo que isso impacte diretamente na sociedade como um todo.

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  6. Link de um discussão também sobre a fusão:

    http://revistapme.ning.com/forum/topics/os-empreendedores-e-a?xg_source=msg_mes_network

    Vitor Nogami

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  7. Vitor,

    Obrigado pela sugestão do link.

    Saudações,

    Vieira

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