terça-feira, 12 de outubro de 2010

A quem interessa o livro digital?

O primeiro livro digital, assim como o primeiro de seus leitores eletrônicos, foi lançado nos Estados Unidos durante os anos 1990. No entanto, foi apenas após o lançamento do leitor eletrônico Kindle pela Amazon.com em 2007, que o livro digital passou a ser conhecido em larga escala.

De lá para cá, o livro digital tem sido celebrado por inúmeras pessoas, em diversas frentes, desde leitores e livreiros até editores e ambientalistas. Mas quem mais festeja a introdução do livro digital no mercado são os fabricantes de e-Readers, isto é, a indústria eletrônica vinculada ao universo da informática e do mundo digital.

Há, hoje, dezenas de modelos de leitores eletrônicos disponíveis no mercado. Só a Sony tem cinco modelos diferentes para venda. Depois que a Amazon.com lançou o seu Kindle, a Barnes & Nobles, outra grande livraria virtual, lançou o seu Nook, e muito recentemente a Apple lançou o iPad. Ocorre que o e-Reader é o tipo de aparelho eletrônico que não envolve uma tecnologia tão sofisticada a ponto de seu fabricante inicial permanecer sozinho no mercado por muito tempo. As barreiras de entrada no mercado de produtos tecnológicos estão cada vez mais fáceis de serem transpostas.

Certamente, os lançamentos continuarão e livrarias virtuais e editoras ainda empreenderão muitos esforços para individualizarem seus produtos e tentarem posicioná-los como únicos no mercado, até, talvez, chegarem a conclusão de que eles poderão ter uma plataforma padrão, em termos de software, que leia qualquer livro digital. Esse “qualquer”, todavia, interessa mais às editoras dos livros digitais do que aos fabricantes de e-Readers e do que às livrarias virtuais. São muitos os desdobramentos em torno dessa questão e passam, inclusive, pela discussão de práticas de monopólio relacionadas a quais softwares serão definidos para serem usados nos aparelhos e-Readers.

No Brasil, os livros digitais começaram a ser vendidos esse ano. Livrarias virtuais como Cultura, Saraiva e Submarino.com já disponibilizam milhares de títulos, especialmente os chamados best sellers e escritos no idioma inglês. Além da diversidade de e-Readers apresentada por essas empresas, e com a qual o leitor deve lidar, há os softwares que podem ser instalados em computadores do tipo notebook ou desktops e que permitem a leitura dos livros digitais.

Como é de se esperar, esses softwares são também diferentes. A Cultura sugere o Adobe Digital Editions e a Saraiva sugere o Saraiva Digital Readers. Já o Submarino.com oferece vários títulos, mas não disponibiliza a possibilidade de acesso ao livro digital que não seja por meio de um e-Reader. Diferentemente da Cultura e da Saraiva, a Submarino.com desenvolveu uma espécie de parceria com a Gato Sabido e-books para a venda de livros digitais, e a oferta dos livros se dá apenas por meio do COLL-ER, seu e-Reader. Surfando a onda dos livros digitais oferecidos pelas nossas livrarias virtuais, a Positivo, fabricante brasileira de computadores, iniciou a produção do seu e-Reader, cujo nome é Alfa.

Argumentos a favor do livro digital costumam ser razoáveis, particularmente aqueles que apontam para a portabilidade e a mobilidade, características da sociedade pós-moderna, bem como os que destacam o fato dos livros digitais poderem ser adquiridos por menores preços e, ainda, não poluírem o meio ambiente, ajudando a preservar milhões de árvores que não precisarão ser utilizadas para a fabricação de papel. Um outro argumento, que não vem muito à baila, diz respeito a obras volumosas, de grande complexidade de manipulação, assim como obras raras, que devem ser transformadas em livros digitais. Tal procedimento seria conveniente e necessário para dar visibilidade e acesso às mesmas.

Olhando para todo esse cenário, algumas impressões, e também dúvidas, vêm à tona:

1. a indústria tende a criar novos produtos para, assim, criar novos mercados e expandir seus negócios. O livro digital e, em contrapartida, o e-Reader, se encaixam perfeitamente bem nesse sentido;

2. com os livros digitais, editoras e livrarias virtuais mudam significativamente a maneira de vender livros e economizam substancialmente ao longo do processo de produção e venda de seus livros. O trabalho com logística, envolvendo gráfica, transporte, estocagem, distribuição e envio para as compras realizadas pela Internet, por exemplo, simplesmente não existe, o que significa expressiva redução do uso de mão-de-obra, instalações e redução de custos;

3. a vida dos autores dos livros melhorará? Eles receberão maior participação dos lucros decorrentes da venda dos livros com o novo formato? Afinal, as editoras poderiam remunerar melhor os autores, pois os seus custos serão reduzidos consideravelmente e o argumento do custo de produção dos livros sempre foi usado para justificar os parcos repasses de direitos autorais aos autores de livros;

4. para onde irão todos os e-Readers que estão sendo vendidos, na hora em que forem descartados? Terão o mesmo destino que os aparelhos de telefone celular, os notebooks e os desktops, ou seja, o lixo comum? Os e-Readers também poluem e são uma ameaça ao meio ambiente. E, diga-se, a indústria de computadores, do mesmo modo que a de telefonia celular, ainda não apresentou uma solução para o descarte de seus produtos;

5. na medida em que a indústria editorial diminui proporcionalmente a venda de livros em papel e aumenta a venda de livros digital, o que será feito com os empregos relacionados à produção e distribuição de livros em papel? Caberá a seus ocupantes a máxima de readaptar, readequar, reutilizar, reciclar?

A quem interessa o livro digital? Muitos argumentos, em um primeiro momento, remetem a uma posição quase que intocável dos livros digitais e, com efeito, é preciso reconhecer o caráter inexorável da sua presença entre nós nos próximos tempos. Não obstante, até o presente momento, quem mais parece ter se beneficiado com os livros digitais são as próprias empresas que compõem a cadeia de negócios em torno dele.

Referências Conexas

BELK, Russel W.; TUMBAT, Gülnur. The cult of Macintosh. Consumption Markets & Culture, v. 8, n. 3, p. 205 – 217, 2005.

CHANDLER, Stephanie. From entrepreneur to infopreneur: make money with books, e-books and information products. Hoboken: Wiley, 2006.

DENEGRI-KNOTT Janice; MOLESWORTH, Mike. Concepts and practices of digital virtual consumption. Consumption Markets & Culture, v. 13, n. 2, p. 109 – 132, 2010.

FRECHETTE, Barry G. Brand digital: simple ways top brands succeed in the digital world. Journal of Consumer Marketing, v. 27, n. 3, p. 293 – 293, 2010.

FURTADO, José A. O papel e o pixel – do impresso ao digital: continuidade e transformações. Florianópolis: Escritório do Livro, 2004.

MILLER, Daniel. The confort of things. Cambridge: Polity Press, 2009.

NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. 3ª. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

VIEIRA, Valter A.; SLONGO, Luiz A. Um modelo dos antecedentes da lealdade no varejo eletrônico. Revista de Administração Contemporânea, v.12, edição especial, p. 65-87, 2008.

WEBER, Steve. ePublish: self-publish fast and profitably for Kindle, iPhone, CreateSpace and print on demand. S.l.: Weber Books, 2009.

3 comentários:

  1. A quem interessa o livro?

    O livro interessa a quem busca conhecimento, a quem busca aprender a ler, aprender a interpretar e aprender a conhecer. Óbvio que não gravita apenas essas metas. O livro é um prazer e uma diversão.

    O ponto é a média de leitura do brasileiro, a qual é baixa. Para Arnaldo Niskier os países da Europa, em geral, apresentam uma média entre 8 e 10 livros per capita/ano. O Brasil 2.

    Diante disto é necessário pensar não apenas no e-book, o qual auxilía no desenvolvimento humano, mas também no book (sem "e"), o qual é um antecedente nato.

    A todos boa leitura do blog.
    Valter

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  2. Valter,

    Obrigado pela visita ao blog.

    Francisco Giovanni Vieira

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  3. Filho da minha época, nascido no final dos anos 80, passei minha infância e juventude em constante fase de transição tecnológica. Criação e consolidação de muitas tecnologias: Internet, celulares, computador pessoal e eletrônicos em geral.
    Todas estas inovações parecem ter entrado na lista de desejo das pessoas sem encontrar muitas barreiras, porém o e-book é o que apresenta alguma dificuldade, a começar pela questão levantada pelo colega Valter.
    Acredito ser cedo fazer qualquer previsão (positiva ou negativa) para o consumidor brasileiro de livros e e-books, porque ainda são poucos os livros digitais comercializados na língua portuguesa, o brasileiro não tem o costume de ler como nos países que e-book está fazendo sucesso, e apesar de ser um produto que não exija tanta inovação tecnológica, não deixa de ser um produto voltado para consumidores de maior renda, reduzindo o possível share de mercado. Sem contar os tradicionalistas e românticos leitores, que não abrirão mão de literalmente pegar e folhear um bom e velho livro.
    Mas como filho da minha época, não ficarei surpreso se, dentro de um curto ou médio prazo, encontrar dificuldades em comprar um livro tradicional.

    Vitor

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