sábado, 11 de dezembro de 2010

O interessante desinteressante

Algumas expressões que foram incorporadas à língua portuguesa e à maneira dos brasileiros falarem em anos recentes, particularmente na última década, têm uma clara origem na língua inglesa, muitas delas fruto da tradução de manuais de operação empresarial. Esse é o caso, por exemplo, do famigerado uso do gerúndio, que alguns chamam de gerundismo; isto é, expressões tais, como, vou estar fazendo, vou estar verificando, em lugar de um simples uso do futuro do presente, algo como farei ou verificarei. Esse uso tem causado desconforto a muita gente, por um lado, e revela facilmente limites quanto ao uso da língua, por outro. Fato é que, dizem os linguistas, o importante para a língua é o processo de comunicação e, como ela é viva e dinâmica, é natural que incorpore as mais diferentes e inusitadas palavras e expressões, sem necessariamente haver importância quanto à origem ou afiliação que possuem.

Algo, entretanto, que me causa espécie, e que de algum modo decorre do consumo da língua inglesa, é o uso da palavra interessante na língua portuguesa em anos recentes. O uso da palavra interessante é bastante comum na língua inglesa. É uma das 1.000 palavras mais usadas desse idioma, e expressa um sentimento de atenção, curiosidade e importância. Já na língua portuguesa tem sido usada, via de regra, na falta do que dizer, na falta de assunto. É o que eu chamo do interessante desinteressante: quando alguém está diante de uma situação, ou em meio a uma conversa e, não sabendo o que expressar ou que dizer, pára de falar por um rápido momento e diz: — interessante! Sem dúvida, essa é uma forma de se livrar de uma situação e seguir adiante na conversa, que não quer dizer absolutamente nada.

Referências Conexas

BOURDIEU, Pierre. Language and symbolic power. Boston: Harvard University Press, 1999.

FERREIRA, Lucia M. A.; ORRICO, Evelyn G. D. (Orgs.). Linguagem, identidade e memória social: novas fronteiras, novas articulações. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

SCHMITT, Bernd H.; ZHANG, Shi. Language, structure and categorization: a study of classifiers in consumer cognition, judgment, and choice. Journal of Consumer Research, v. 25, n. 2, p. 108-122, 1998.

SPINK, Mary J. Linguagem e produção de sentidos no cotidiano. Porto Alegre: Editora da PUC-RS, 2004.

3 comentários:

  1. Oi, Francisco. É uma grande verdade. E vou colaborar com uma outra palavra que está sendo usada do mesmo modo que o "interessante". Só que esta não foi por conta de anglicismos. É a palavra "então". Quando assisto a uma entrevista, percebo que todas as respostas de entrevistados começam com a palavra "então", sem que ela seja necessária. Será que você já percebeu isso? :)

    abraços

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  2. Olá, Eliane!

    Havia percebido, sim. Talvez seja oriundo do hábito anglófono de começar algumas frases com o famoso "So ...", acompanhado de rápidos segundos de silêncio.

    Um abraço,

    Francisco Giovanni

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