quinta-feira, 15 de março de 2012

Triste dia do consumidor

Por:  Francisco Giovanni Vieira*  e  Alexandre Faria**

O dia é do consumidor individual, mas talvez não tenhamos muitos motivos para comemorar. Grandes empresas e organizações do governo continuam fazendo muito mais barulho acerca da importância do consumidor e sobre quanto o valorizam, do que de fato agem concretamente nesse sentido.

O problema não é somente as empresas privadas. As agências de regulação, como a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) e ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), para citar algumas, não têm desempenhado a contento o papel para o qual foram criadas. O consumidor individual costuma ficar desamparado devido à falta de fiscalização efetiva dessas agências governamentais, enquanto os consumidores organizacionais ficam cada vez mais fortes. Os Procons procuram fazer o contrapeso defendendo o consumidor individual, mas não conseguem de modo efetivo. Grandes companhias que são campeãs nos rankings de reclamações e que sabem fazer valer seu poder quando agem como consumidoras organizacionais perceberam que é mais simples e prático pagar multas – isso quando o governo consegue multá-las – do que cumprir rigorosamente os contratos ou ouvir o consumidor individual. A relação entre as organizações privadas e governamentais e o consumidor individual continua amplamente assimétrica.

O mito da soberania do consumidor individual, difundido há mais de cinquenta anos e reforçado no Brasil pelo Código de Defesa do Consumidor, já há muito não se sustenta. Empresas de alimentos reduzem diuturnamente o tamanho das embalagens e, por conseguinte, o peso e a quantidade dos produtos, praticando, porém, os mesmos preços, e nada acontece. O consumidor individual não é informado com clareza que está pagando o mesmo preço, só que por uma quantidade menor de produto.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), por sua vez, tem agido de forma conservadora e geralmente em favor das grandes empresas nos casos e processos de fusão e aquisição empresarial. Isso tem resultado em processos de concentração em diversos setores de mercado, criando, na prática, verdadeiros monopólios disfarçados na economia brasileira. Em nome da eficiência de gestão e de que o Brasil poderá ser mais competitivo em termos de exportação, o consumidor tem menos opções para a compra e passa a depender de um número reduzido de empresas, que abusam de seu poder na oferta e distribuição de produtos extremamente importantes para a sociedade, como alimentos, por exemplo. Nos Estados Unidos e na Europa o quadro não é muito diferente, mas outras forças vêm sendo mobilizadas para contrabalançar as relações de assimetria. No Brasil os obstáculos à concentração de poder e à assimetria ainda são muito precários e, curiosamente, esse quadro ajuda a explicar por que grandes empresas americanas e européias fazem no Brasil o que não fazem em seus países. Por um lado, empresas ficam cada vez mais poderosas como produtoras e consumidoras, por outro lado, o consumidor individual paga o preço amargo.

Em diversas cidades do país, o ato de consumir se tornou uma verdadeira aventura a céu aberto. O consumidor encontra falsas ofertas e promoções em que a redução dos preços é coisa para inglês ver; grande número de vendedores mal gerenciados, treinados e preparados para exercerem um bom atendimento; estacionamentos com preços exorbitantes e flanelinhas ilegais que atentam contra a segurança; restaurantes cujos exaustores não funcionam e de onde se sai praticamente defumado após as refeições; ruas sem iluminação suficiente e dezenas de avenidas sem um único semáforo para o consumidor-pedestre que vai às compras.

Embora controverso, é necessário avançar no entendimento da relação entre consumo e cidadania, especialmente no que diz respeito ao consumidor individual. Quando o consumidor é a grande empresa ou o governo, o quadro é bem diferente. Será que o dia do consumidor será comemorado somente por consumidores organizacionais (grandes empresas e organizações do governo)? E o consumidor individual? De fato, há mais coisas entre o céu e a terra do que pode supor a nossa vã imaginação.

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* Francisco Giovanni Vieira é professor e pesquisador da UEM.

** Alexandre Faria é professor e pesquisador da EBAPE-FGV.

Obs.: os autores agradecem os comentários do Prof. Reginaldo Dias (UEM) ao texto inicial desse post.

10 comentários:

  1. Muito bom o texto. Por falar na soberania de grandes empresas diante do consumidor individual e o órgão "protetor" do consumidor que muitas vezes pouco faz diferença no desrespeito com consumidor, ontem vi uma notícia animadora: Procon -SP suspendeu as atividades de e-coerce da B2W (Americanas.com, Submarino e Shoptime) devido às recorrentes reclamações dos consumidores. (Veja: http://economia.ig.com.br/empresas/comercioservicos/proconsp-manda-suspender-vendas-do-americanascom-e-do-submarino/n1597693469999.html e http://br.reuters.com/article/businessNews/idBRSPE82D09X20120314).

    Abraços

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  2. Excelente o texto.. Infelizmente essa é a nossa realidade.. Muito do que ensinamos em sala de aula em disciplinas relacionadas a marketing não se vê na prática..

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  3. Olá, Francy!

    Grato pela visita e pela informação quanto à B2W. As empresas do grupo realmente têm feito um desserviço ao comércio eletrônico. Se alguém que nunca comprou, resolver fazer a primeira compra por meio da internet nas Americanas.com, por exemplo, terá uma péssima imagem do que é o comércio eletrônico. No início do ano, se não me falha a memória, a Americanas.com já havia sido impedida de vender na internet.

    Francisco Giovanni

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  4. Olá, Aurea!

    Obrigado por passar por aqui ... sim, sem dúvida; em sala de aula é ensinado o protocolo, muito sobre como proceder, mas nas empresas, no dia-a-dia, outros interesses passam a fazer parte do processo de gestão. E nem sempre esses interesses representam o que há de melhor.

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  5. Infelizmente, ainda não aprendemos a exercer e a reivindicar nossos direitos no que diz respeito ao que consumimos. Somos enganados e ignorados pelos serviços de atendimento e reclamações é absurdo o que fazem.

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  6. Froide,

    De fato! Ainda estamos na fase de falar mais do que agir. Mas, creio que aos poucos vamos aprendendo.

    Serviço de atendimento não está nem aí. Reclamar é um verdadeiro exercício de paciência.

    Saudações,

    Francisco Giovanni

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  7. Caros,

    bom dia.
    Sinceros parabéns pelo texto. É ótimo saber que há mentes lúcidas e críticas nesta área.

    Abraços e tudo de bom,

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    1. Caro Ozaí,

      Obrigado pela visita ao blog.

      Um abraço,

      Francisco Giovanni

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  8. Bom dia, Francisco. Texto impecável! Se eu fosse comentar os vários pontos que tangenciam essa questão teria de escrever um post no espaço reservado aos comentários. Talvez eu faça isso no meu blog, pois a indignação já fez ferver meu sangue italiano. rsrs

    Como você é um gentleman, tentarei ser o mais leve possível com as palavras. "Monopólios disfarçados" é uma fidalguia de sua parte, o nome que dou a essa "coisa" que nos assola é cartel, "máfia" mesmo. E isso está acontecendo em todos os setores.

    Realmente, dói muito entrar num supermercado na Europa e ver com nossos próprios olhos a qualidade infinitamente superior dos produtos ofertados naquele mercado, enquanto que a MESMA empresa multinacional (tomemos a Nestlé como exemplo) coloca nas gôndolas dos nossos supermercados produtos infestados de açúcar e com embalagens cada vez maiores (quase chegando ao nível de embalagens de atacado) por preços altíssimos e empurrando goela abaixo do consumidor brasileiro propagandas que CRIAM uma "necessidade" de consumo de produtos desnecessários.

    Por último, gostaria de dizer que você tocou no que eu considero um dos pontos principais da questão: "avançar no entendimento da relação entre consumo e cidadania". Mas... Antes de mais nada os brasileiros ainda precisam saber o real significado da palavra cidadania. Infelizmente, esta palavra ainda tem um conceito deturpado pela nossa "amiga" imprensa e seu desserviço costumeiro à população.

    A cada post que leio em seu blog, me fica a vontade de um dia ser sua aluna. rsrs Imagino o quão produtivas suas aulas devem ser.

    Abraços,
    Eliane Bonotto

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    1. Olá, Eliane!

      É sempre bom receber sua visita e ler seus comentários. Realmente, entrar em supermercados está se tornando uma aventura hoje em dia. Há produtos com embalagens e composições modificadas. Além disso, mal consigo andar com o carrinho de tanto que eles colocam "ilhas" de produtos. O desrespeito com o consumidor não é só da indústria, mas é também do varejo.

      Minhas aulas são modestas. Você é quem é generosa.

      Grande abraço,

      Francisco Giovanni

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