O sistema financeiro mundial tem sido responsável por grande parte das mazelas e dilemas enfrentados por indivíduos e estados nacionais. A crença reinante é que é preciso protegê-lo a todo e qualquer custo, afinal se trata de algo fundamental para o modelo capitalista: um não existe sem o outro.
A despeito das chamadas livre iniciativa e sociedade civil organizada ou, ainda, da figura supostamente central do consumidor, o sistema financeiro parece não ser incomodado nos períodos de crise. O sabor neoliberal do mercado termina por ser experimentado de modo mais intenso, e quase que exclusivo, por agentes que não estão no centro do sistema.
O argumento preferido e frequentemente veiculado na mídia em geral é que não se pode mexer no sistema financeiro, pois isso afetaria o relacionamento do mesmo com as empresas, as quais, uma vez prejudicadas, perderiam força e seriam obrigadas a demitir funcionários, entre outras ações. O fantasma que se coloca no ar é que caso isso efetivamente aconteça, o mercado será reduzido e causará mais custo e impacto aos estados nacionais. A crença nessa lógica do sistema, de algum modo disseminada como elemento de cultura organizacional, funciona como uma espécie de chantagem ou argumento para a perpetuação de condições que inviabilizam o próprio sistema no longo prazo. Estados nacionais tem ficado reféns dessa situação.
O impacto da última crise do sistema, entretanto, exigiu uma resposta por parte de diferentes estados, os quais, em alguma medida, procuraram preservar as estruturas de consumo – mesmo que essas não prescindam do sistema para o financiamento de suas operações. Dentro dessa tendência, recentemente o governo Obama aprovou uma lei que impede o resgate do sistema financeiro em situações de crise e que procura alterar a dinâmica daquilo que passou a ser o centro simbólico e nevrálgico do sistema financeiro mundial, materializado por Wall Street (curioso esse trocadilho, não? Em uma tradução livre para o português, poderíamos entender Wall Street como “rua de paredes” ou “rua de muros” – muros que limitam, que cerceiam ou que encaixotam dinheiro e possibilidades individuais e de estados nacionais).
Dentro da lógica do mercado estadounidense neoliberal, onde o consumidor supostamente tem uma centralidade singular em relação a outros estados nacionais, a proteção ao consumidor é a justificativa para a criação da lei. No entanto, tendo em vista que é o estado nacional, por meio do seu governo de plantão, que canaliza recursos quase que infindáveis para sanear o sistema, sem que o consumidor seja ouvido, torna-se curioso que no momento de adotar algum tipo de ação contrária ou que minimamente limite o sistema, seja o mesmo consumidor que sirva como argumento central para a ação.
Supõe-se que esse tipo de medida renda alguns dividendos aos políticos, inclusive a Obama. Nem toda a pressão do Tea Party, movimento que tem um perfil extremamente conservador, pretensamente associado aos ideais de fundação dos Estados Unidos contra as crescentes taxações inglesas à época em que eram colônia, e que mantem fortes relações com o partido republicano, é capaz de articular algo contrário. Os outdoors publicados e patrocinados em Iowa comparando Obama a Hitler e a Lênin, não foram suficientes para evitar a ação. Aparentemente, Obama não precisa de chá. Nem mesmo os da cinco, cujo hábito inglês de alguma maneira foi incorporado à cultura estadounidense.
Referências Conexas
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FRIED, Joseph. Democrats and republicans - rhetoric and reality: comparing the voters in statistics and anecdotes. New York: Algora Publishing, 2008.
HARVEY, David. A brief history of neoliberalism. Oxford: Oxford University Press, 2005.
KOWARIC, Lúcio. Sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil: Estados Unidos, França e Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.18, n. 51, p. 61-86, 2003.
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YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
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