Revista ACIM Maio 2020 | No. 608, Ano 57 |
Entrevista concedida à Revista ACIM em 22 de abril de 2020
Entrevistadora: Rosângela Gris (Repórter da Revista ACIM)
Entrevistado: Francisco Giovanni David Vieira
Matéria: "Os negócios durante e pós-pandemia"
Rosângela Gris (RG, Pergunta 1): É fato que a pandemia do coronavírus mudou a rotina das pessoas e das empresas. É possível mensurar o impacto da pandemia nos negócios?
Francisco Giovanni David Vieira (FGDV): Observa-se claramente, até mesmo em razão do isolamento social, que os negócios foram afetados de modo importante, e que diferentes segmentos foram afetados de maneiras distintas. Todavia, o quanto foram afetados, especificamente, só será possível dizer com segurança após a análise de dados estatísticos do volume de vendas em cada segmento da atividade econômica, pois quando falamos de impacto e de mensuração, falamos de medidas objetivas que estão relacionadas a números e a quantificação. Nesse sentido, será possível, sim, mensurar o impacto da pandemia nos negócios. Porém, será necessário reunir informações da atividade econômica em diferentes segmentos para se chegar a algo que não seja especulativo, mas sim real. As operadoras de cartão de crédito podem desempenhar um importante papel a esse respeito, fornecendo dados agregados de transações de compra e venda em diferentes setores. Por meio de tais dados, por exemplo, é possível mensurar objetivamente o impacto da pandemia. Isso não impede, entretanto, de observar que de um modo geral ocorreram reduções importantes no ritmo da atividade econômica.
(RG, Pergunta 2): Quais devem ser os setores mais impactados? E os menos?
(FGDV): Os setores mais impactados são aqueles cujos produtos ou serviços não representam uma necessidade imediata, e isso não se caracteriza como uma situação particular diante da pandemia. Trata-se de algo que ocorre em períodos de crise ou dificuldade econômica, onde os consumidores tendem a ser mais racionais e objetivos em suas compras. No caso da situação que estamos enfrentando ocorre um agravamento, inclusive por conta de restrições físicas de deslocamento e de ocupação do espaço público. Desse modo, os setores mais impactados tendem a ser os setores de viagens, turismo e transporte, seja intermunicipal, interestadual ou internacional. Há toda uma cadeia de serviços relacionada a esses setores, como hotéis, resorts, museus, inclusive táxis, operadoras de vans e transportes urbanos por meio de aplicativos, que também sofrem o impacto. Os setores de bares e restaurantes, bem como entretenimento e lazer, incluindo boates, cinemas, teatros, shows musicais, também sofrem consideráveis efeitos por conta da pandemia. Os restaurantes, contudo, têm conseguido realizar vendas por meio do sistema de delivery (entrega em domicílio), com o uso de aplicativos (softwares instalados em dispositivos como smartphones, tablets ou computadores pessoais). O setor de vestuário, envolvendo roupas e calçados, também sofre com a situação, pois além de vender produtos que não representam prioridades no momento, enfrentam restrição de abertura e funcionamento em shopping centers. O setores de bens duráveis e semiduráveis, como móveis, eletrodomésticos, sofrem com a situação, porém talvez de forma menos intensa, possivelmente em função de aquisições programadas ou compras para reposições objetivas de produtos que apresentam defeitos ou são danificados no dia-a-dia. O setor automotivo, especificamente oficinas mecânicas e lojas de autopeças, também deve sofrer com menos intensidade, porque há diferentes situações que são objetivas na necessidade de compra, reposição e reparos quanto ao uso de automóveis, ainda que em uma escala inferior – isso é diferente da indústria automobilística, que deve ter importante redução de venda de veículos novos. O setor da construção civil, que é extremamente importante pela enorme cadeia de produtos e serviços que envolve, tende a sofrer menos, sobretudo em função de obras que já estão em andamento. Não obstante, obras em fase de planejamento e consecução de financiamento para início, tendem a serem revistas. Por fim, os setores que tendem a sofrer menos são o setor de farmácia e o de alimentação, envolvendo açougues, padarias, mercados, quitandas, frutarias, supermercados e hipermercados, posto que alimentação é gênero de primeira necessidade e as famílias precisam se alimentar, independentemente da existência da pandemia.
(RG, Pergunta 3): O impacto também será sentido de forma diferente pelo pequeno e o grande negócio?
(FGDV): Sim, sem dúvida. Negócios de maior porte possuem não só maior estrutura, maior base de clientes, como também maior capital de giro para enfrentar adversidades. O pequeno negócio enfrenta mais dificuldades em praticamente todos os sentidos no dia-a-dia. Em uma situação de pandemia isso apenas tende a se agravar. Apenas a título de exemplo, basta mencionar que pequenos negócios ainda não estão completamente integrados ao universo online e não adotam sistemas de delivery na mesma escala que negócios com operações de maior porte.
(RG, Pergunta 4): No caso específico do varejo, sofrem mais as lojas de rua ou dos shoppings?
(FGDV): Indiscutivelmente, as lojas de shopping centers sofrem muito mais, posto que há restrições à abertura dos shopping centers. Por outro lado, no momento em que tais restrições deixarem de ser vigentes, os shopping centers continuarão sendo um espaço de concentração e aglomeração de pessoas, o que pode representar algo a ser evitado por muita gente em um futuro próximo e que ainda não sabemos exatamente como será. E isso é particularmente curioso e triste a um só tempo, pois durante muito tempo shopping center foi sinônimo de um espaço de compra em que se podia ter um pacote de facilidades e benefícios para a realização de compras, como estacionamento, ambiente climatizado, corredores limpos, iluminados, segurança, proteção, tranquilidade, bem estar, alimentação, lazer e entretenimento. Dependendo dos desdobramentos que essa pandemia venha a ter no futuro, talvez os shopping centers precisem se reinventar.
(RG, Pergunta 5): O que dá para ser feito para amenizar a crise nas empresas?
(FGDV): Não há receita mágica. Qualquer um que aponte saídas simples ou muito fáceis poderá estar sendo irresponsável ou desonesto. Entretanto, algumas coisas ficam aparentemente claras. É preciso repensar a logística e a cadeia de suprimentos das empresas. As empresas também precisarão investir mais em tecnologias de relacionamento com os clientes, sobretudo intensificando a adoção de sistemas inteligentes baseados em plataformas digitais. Sistemas de entrega em domicílio, o chamado delivery, também ganhará importância. Aspectos extremamente importantes, mas muitas vezes relegados para um segundo plano, como capital de giro e fluxo de caixa das empresas, também precisarão ser observados com mais atenção. Em todo caso, é importante e necessário destacar que a maior parte das soluções que uma empresa pode adotar nessa situação já existia, ou seja, muitas soluções já estavam prontas e agora elas tenderão a ser adotadas com mais urgência ou terem sua relevância reconhecida. Evidentemente, parte dessas soluções implicarão em modificações no mundo do trabalho como o conhecemos hoje.
(RG, Pergunta 6): E como deve ser o comportamento das empresas e marcas na mídia?
(FGDV): A presença de marcas e empresas na mídia em tempos difíceis sempre foi motivo para debates e alguma polêmica. Há quem defenda que recursos empresariais não devem ser empregados em ações de comunicação de marketing durante períodos de dificuldades e há quem defenda exatamente o oposto. A presença de empresas e marcas na mídia deve ser resultado de uma análise perante os objetivos e estratégias das empresas. Há empresas com maior e menor participação no mercado, com maior ou menor escala operacional, e cada uma delas tem objetivos diferentes e volume de recursos diferentes. Por outro lado, há empresas que operam em setores mais competitivos e outras que operam em setores menos competitivos. E naturalmente, todos esses aspectos guardam relação com o setor de operação da empresa, isto é, se é o setor de alimentos, o setor automotivo, farmacêutico, de vestuário, etc. que estão diretamente relacionados ao julgamento do que é prioridade ou não para os consumidores em uma época difícil como a que enfrentamos atualmente. Nesse sentido, é difícil imaginar que empresas que possuem maior participação de mercado ou que operem em setores mais competitivos fiquem ausentes da mídia ou ofereçam uma espécie de quarentena para suas marcas.
(RG, Pergunta 7): E como deve ser o comportamento imediato do consumidor com a liberação para a reabertura do comércio?
(FGDV): Os consumidores, em geral, possuem um perfil mais racional ou mais emocional. Isso é definido por meio de diferentes fatores de ordem cultural, psicológica, social e econômica. Depois de um longo período de restrição e um considerável volume de informações divulgadas por meio da mídia, porém sobretudo em função das incertezas que essa situação produz, o consumidor possivelmente adotará um comportamento mais prudente, ponderado e racional. Naturalmente, isso será ainda mais provável para o consumidor de menor renda.
(RG, Pergunta 8): Muitos negócios ‘migraram’ para a internet neste período de pandemia como alternativa para manter o faturamento. Isso deve causar uma mudança de comportamento do empresário?
(FGDV): Sim. A rigor, o que a pandemia fez foi confirmar uma tendência que já estava posta. Portanto, algo que já era uma realidade.
(RG, Pergunta 9): E o consumidor, deve mudar a forma de consumir agora que ‘descobriu’ de fato o delivery e as compras online?
(FGDV): O que temos visto nessa época de pandemia é apenas a intensificação ou uso em larga escala da compra online e do delivery, que são procedimentos de compra e entrega que já existem há mais de duas décadas. A Amazon, companhia norte-americana, tornou esse modelo famoso mundialmente, e além de ser uma das maiores empresas globais, é a terceira marca mais valiosa de todo o mundo. Portanto, não é novidade. O que está acontecendo agora é apenas uma espécie de institucionalização do e-commerce (compra online) e do delivery (entrega em domícilio).
(RG, Pergunta 10): O que podemos esperar em relação ao consumo nos próximos meses?
(FGDV): É preciso ser otimista e acreditar que o avanço da pandemia será controlado, e que dentro de algum tempo será possível produzir uma vacina para o Coronavírus. Diante do cenário atual o consumo tenderá a ser comedido e ocorrerá em volumes bem menores. Isso se dará tanto por questões de incertezas, perda de emprego, redução da atividade econômica como um todo, quanto em função de questões extremamente objetivas como a restrição para o deslocamento físico e ocupação de determinados espaços urbanos ou estruturas comerciais como shopping centers, cinemas, teatros, etc. e também pela suspensão de aulas em muitas escolas e instituições universitárias.
(RG, Pergunta 11): Quais são os cenários que podemos traçar para a economia nos próximos meses?
(FGDV): Infelizmente, um cenário de incertezas, compasso de espera e redução da atividade econômica.
Observação: a edição completa da Revista ACIM, incluindo a matéria que contem parte da entrevista concedida, aqui referida, pode ser acessada em versão PDF clicando aqui.
ótima matéria professor!
ResponderExcluirótima matéria professor!
ResponderExcluirObrigado, pela visita ao Blog e pelo comentário, Lair!
Excluir