Os sambas-enredo que hoje escuto são um tanto diferentes daqueles que costumava escutar tempos atrás. Em que pese toda a capacidade de criação artística e sensibilidade dos músicos e letristas envolvidos na composição dos atuais sambas-enredo das escolas de samba que participam dos desfiles de carnaval em São Paulo e no Rio de Janeiro, é preciso algum esforço para se empolgar e cantar logo de saída o refrão dos sambas.
Aparentemente, o compositor deixou de ser um compositor e tornou-se uma espécie de consultor ou assessor e trabalha para várias escolas, não mantendo a fidelidade que antes tinha para com uma determinada agremiação. Desse modo, o samba não parece mais ser uma criação artística e sim uma letra com música para negócio, ou seja, é como se os sambas deixassem de ser sambas-enredo e passassem a ser sambas-negócio, algo a mais para alimentar a cultura de consumo do carnaval.
Isso fica bem evidente na entrevista que um compositor concedeu durante o carnaval. Ao responder uma das perguntas que a repórter da TV lhe fez ao longo da entrevista, o compositor brincou dizendo que iria pedir música no Fantástico, pois tinha feito três sambas-enredo para três escolas de samba de três cidades diferentes.
Talvez deva-se a algo assim, pelo menos em parte, os sambas não empolgarem ou não serem lembrados algum tempo depois do carnaval, mesmo que seja um evento com data marcada para começar e terminar. É possível que a feitura do samba siga outro processo e termine por não expressar toda a criatividade dos compositores.
A propósito, o primeiro samba-enredo que eu lembro não só de ter memorizado, como também admirado, foi "O Amanhã", samba-enredo da União da Ilha do Governador composto por João Sérgio para o carnaval de 1978. O título do samba-enredo, por si só, já despertava a atenção. Poucas palavras são tão poderosas na língua portuguesa quanto o advérbio amanhã. A noção de algo que está por vir e que, portanto, representa o futuro, tem um significado quase que mágico, de renovação e esperança.
Intrigante é que em 1977, ano imediatamente anterior ao ano de lançamento do samba-enredo da União da Ilha, uma música que tratava do mesmo tema fez largo sucesso nas emissoras de rádio. Trata-se de "Amanhã", de autoria de Guilherme Arantes, que foi tema da novela Dancin' Days, exibida pela TV Globo. A ideia de futuro parecia estar particularmente presente no imaginário brasileiro no final dos anos 1970. Talvez, quem sabe, tenha alguma relação com o desejo de ver o fim da ditadura militar que havia no país àquela época.
Referências Conexas
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