domingo, 29 de setembro de 2013

GTA V: cultura da violência e consumo em video game

Foi lançado recentemente no mercado brasileiro o vídeo game Grand Theft Auto, versão 5. Trata-se de um game em que os principais personagens, chamados de “heróis” ou gamers, possuem habilidades relacionadas a ações e aventuras que implicam em quebra da ordem social, invasão de privacidade e apropriação indébita. O game foi lançado em meio a uma grande campanha de divulgação e ampla expectativa por parte dos usuários de versões anteriores.
 
Obter dinheiro é o principal foco do game e a previsão é de que isso se dê por meio da realização de assaltos. Os personagens-heróis do game, cada um com sua expertise, operam no sentido de fazer com que as missões sejam bem sucedidas. Tais missões ocorrem com muito tiro, pancadaria e perseguições de automóveis por ruas e estradas.
 
Não há um personagem único ou um herói singular. Há três! Uma multiplicidade bem ao sabor da hiper-realidade e expressando a fragmentação de identidade, típica da sociedade pós-moderna. Por que ser apenas um, se é permitido ser três? Por que ter uma habilidade principal, se é possível possuir três principais? Nesse caso, não se aplica a máxima de que um é pouco, dois é bom e três é demais. Pelo contrário, três parece ser ótimo!
 
O glamour do jogo está em executar um plano, obter a maior quantidade possível de dinheiro e não ser pego. Não importa o quanto de paredes, lojas e estruturas físicas em geral será preciso destruir, bem como quantas pessoas precisarão ser executadas para que isso aconteça. Muito menos importa quantos policiais serão eliminados para a realização das fugas no cumprimento das missões. O importante é a obtenção do dinheiro em espécie ou objetos em boas condições para serem negociados com receptadores – sim, da mesma forma que no mundo real não há corruptos sem corruptores, no game é necessária a presença do comprador daquilo que é fruto dos roubos praticados pelos personagens do game.
 
Com o dinheiro obtido no exercício das missões é possível comprar inúmeras coisas, desde máscaras e mísseis, para utilizar durante assaltos, até ações de empresas. É possível, ainda, adquirir equipamentos para ser amigo da natureza e explorar montanhas, florestas e oceanos. Há, assim, não só relações de compra e consumo, mas relações de encantamento e integração com a natureza. Afinal, os personagens são jovens, cheios de energia e o meio ambiente representa uma fonte complementar para aventuras.
 
O que explica a aquisição de um vídeo game com essas características? Certamente, deve haver inúmeras respostas. Algumas delas podem estar relacionadas à condição de que o game é uma permissão, concedida por agentes e mecanismos de mercado, para o culto à violência como sinônimo de aventura e entretenimento. Uma espécie de digressão em nome do lazer pessoal e, também, uma reificação da condição pós-moderna do sujeito descentrado.
 
Referências Conexas
 
Belk, R. W. (2013). Extended self in a digital world. Journal of Consumer Research, 40(3), 477-500.
 
Denegri-Knott, J., & Molesworth, M. (2010). Concepts and practices of digital virtual consumption. Consumption Markets & Culture, 13(2), 109-132.
 
Fine, B. (1997). Playing the consumption game. Consumption Markets & Culture, 1(1), 7-29.
 
Firat, F. A., Sherry, Jr., J. F., & Venkatesh, A. (1994). Postmodernism, marketing and the consumer. International Journal of Research in Marketing, 11(4), 311-316.
 
Holt, D. B. (1997). Poststructuralist lifestyle analysis: conceptualizing the social patterning of consumption in postmodernity. Journal of Consumer Research, 23(4), 326-350.
 
Sherry, Jr., J. F. (2000). Place, technology, and representation. Journal of Consumer Research, 27(2), 273-278.

17 comentários:

  1. Ótimo texto, muito bem abordado. Dificilmente um video game não tem violência. No mínimo tem velocidade, muita velocidade. A violência pode vir disfarçada de "livrar o mundo do mal" e matar apenas seres com aparência demoníaca ou caçar "bandidos".
    Gosto muito de games que envolvem estratégia, como "Age of Empires", mas não tem como ganhar sem destruir o império inimigo, ou seja, matar e destruir. E ainda gosto mais de RPG como Diablo 3, em que o personagem, apresentando poderes (e aparência) que eu nunca terei na vida real, deve salvar o mundo do mal matando todos os monstros que encontra pela frente (sim, espirra sangue).
    Ou seja, a violência está presente nos games, mesmo naqueles em que se tem que quebrar coisas para ganhar moedas (como os da Lego ou Crash, um simpático raposo), mas no caso do GTA esta violência não vem nem ao menos disfarçada, é explícita. Dividimos o bem e o mal em lados beeeeem opostos, e neste caso o certo é fazer o que se considera errado. Não gosto da idéia do jogo, mas nunca o joguei pra sentir como é. Sua postagem me fez pensar sobre o assunto. Será que o que leva ao consumo da violência é o medo dela? Ou a vontade reprimida?
    Acabei de mostrar sua postagem a um dos meus consultores em assuntos "videogamísticos" (leia: filho) e soube que o GTA é um tipo de jogo que envolve o que vários jogos tem e não define um estilo como os outros. Existem jogos de carro, jogos de tiro, jogos de missão etc. O GTA é diferente porque tem a mistura, dá tiro, quebra coisas, corre, dirige, bate, mata.
    Ops, agora que eu vi que me exagerei no comentário, fiquei empolgada com o assunto, hehehehe.
    Gosto muito do seu blog!

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    1. Olá, Eloisa!

      É bom receber suas visitas! Obrigado pelos comentários e pela participação adicional do "consultor" especial para a redação dos mesmos.

      Um abraço,

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    2. Só para constar, GTA e outros jogos "de mundo aberto" são classificados atualmente como "sandbox games".

      No geral, os "sandbox games" são aqueles que permitem que o jogador faça de tudo, quase que como uma segunda vida. No caso do GTA V, este conceito foi levado ao seu ponto mais extremo até então alcançado, já que é praticamente uma segunda vida. Desregrada, talvez, mas ainda assim uma segunda vida.

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    3. Pois é! O debate sobre a tal segunda vida renderia muitas linhas de comentários. A ideia de uma segunda vida e de viver em um mundo virtual, onde existe uma dubiedade é algo que parece ser intrigante e instigante: em um momento, e para algumas coisas, como o próprio funcionamento do jogo, há regras; em outros momentos, como no desenvolvimento da ação no próprio jogo, não há regras ou elas são distintas ou flexíveis em relação ao mundo real ou, ainda, é possível burlá-las sem que nada de mais sério aconteça! O game "Second Life", por exemplo, gerou muitas pesquisas e ainda as gera até hoje. A rigor, não há uma segunda vida, pois ela depende da vida do mundo real. A segunda vida é um mero exercício de abstração. Não poderíamos nem classificá-la em uma compreensão de mundo por meio de uma contraposição entre idealismo e realismo.

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  2. YOOO dude, u shouldn't delete my comment bro, I have my rights to say what I think as much as you do, peace

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    1. Okay! Let's agree you are right, and I could say sorry. But, it is quite annoying to read your comments in English, using a heavy slang language and, above all, as anonymous. So, show yourself, write your comments in Portuguese and you will be welcome.

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  3. Digamos que o jogo seja uma maneira de liberar o stress do mundo real sem que eu tenha que sair atirando no primeiro que apareça. No meu ponto de vista é pra isso que servem os games, fazer coisas que não são possíveis no mundo real, além de quem o jogo tem a classificação de 18 anos e nessa idade já temos o caráter formado e o discernimento do que é certo e errado. now lets blow something up and get some dough

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    1. Penso diferente. Penso que os games são uma forma de entretenimento. A ideia de liberar geral e evitar dar um tiro no primeiro que aparece, é algo muito cruel. É como se não existisse outra opção a não ser atirar em alguém. Daí a importância do game. Sob esse prisma, o game é o salvador da humanidade e recurso a ser usado para o equilíbrio da sociedade. Seria uma fonte de paz, quando é exatamente o contrário: fonte de violência.

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  4. Olá Giovanni, uma criança que não distingui a vida real de um jogo pode ter como inspiração violenta qualquer coisa (TV, cinema, discussões de trânsito, livros, etc). A questão não é jogos violentos mas sim bagagem e ensinamentos que se tem em casa. Há quantos casos de crimes ligados a jogos e quantos ligados a televisão, cinema e outras fontes? Abraços.

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    1. Olá Anônimo(a), obrigado pela visita!

      Sim! Tudo isso faz sentido, ou seja, as fontes de violência são várias e diversas e, portanto, não se reduzem ao video game. O foco do post não foi apresentar essa tese. O post aborda, sim, a violência do game, mas a aborda como vetor para o consumo. Essa é a questão central do post!

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  5. Giovanni,

    Jogo a franquia GTA desde os jogos de Play Station 2 e 3, de Vice City ao V. Se tratando de um sandbox game, o indivíduo encontra-se perpetuado a agir somente pelo seu inconsciente. Uma vez que a liberdade imponente no jogo é a de "se fazer o que quiser", as ações externalizadas no game vão de encontro direto à psique do indivíduo. Eu, por exemplo, por mais ridículo que seja, me diverto à beça jogando GTA ativando uma trapaça que faz com que todos os carros utilizados alçassem voo. Meu fim é roubar um táxi e iniciar missões somente de taxista, transportando clientes aos seus destinos através de um Cabby voador. Acredito que as matanças, sexo com prostitutas, atropelamentos e o alcance de "6 stars wanted" são desejos incumbidos permeados por fragmentos de psicose e sadismo no âmago dos moleques. As formas de entretenimento provenientes do game são inúmeras e acredito que caracterizar o "usuário" (risos) como digressor é errônea, visto que existem caras como eu que compram o game meramente pelos gráficos, jogabilidade e extensão do jogo. Por mais exagerado que pareça é a minha opinião. Recomendo que o senhor jogue uma partida. É realmente divertido. Parabéns pelo texto e continue abordando temas assim. (ps: Podia rolar um sorteio do game também, hahahahahahh.)

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    1. Olá!

      Grato pela visita e pelos comentários, que sempre animam a leitura do blog. Pelos comentários e pela interação, vejo que há muitos fãs desse game. Não sei analisar o game do ponto vista psicológico. tenta lançar um olhar sob uma perspectiva de cultura e consumo. Pôxa essa do sorteio do game não vai dar. Vou ficar devendo. Mas espero que não deixe de visitar o blog por isso, hein?

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  6. Realmente este jogo é fantástico! O simples fato de você conseguir pilotar diversas "máquinas" (sem precisar de toda aquela burocracia que é a de tirar carteira de habilitação e sem precisar ter dinheiro), atropelar pessoas, quebrar postes, fugir em alta velocidade da polícia é algo que atrai as pessoas para o jogo. Talvez ter essa "segunda vida" fora das leis que a sociedade impõe é algo que muitas pessoas em diversos momentos da sua vida querem pra si, acabar com tudo em sua volta. O jogo uniu o útil (matar todos) ao agradável (não sofrendo as consequências).

    Penso que o jogo não incita a violência, simplesmente nos mostra pelo outro lado: a dos delinquentes.

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    1. Prezado Leitor(a) Anônimo(a),

      Se depender de seu comentário fica bastante claro que o jogo incentiva, sim, a violência!

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  7. O jogo é assim mesmo, viver fora de lei é o que manda.

    Só que penso que violência é quando machucamos um outro ser vivo de algum modo. E no jogo não fazemos isso. Nada é real!

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. Olá Professor,

    Muito interessante o tema do post e muito apropriado.

    GTA V é um game violento: ÓBVIO, isso é impossível de negar por todos os argumentos que você mesmo já usou no post, mas isso não chega a impressionar pois a produtora do jogo a Rockstar North é famosa justamente por lançar jogos que são no mínimo polêmicos, mas o tipo de violência que se apresenta neste tipo de jogo, onde usam-se diversos tipos de armas de fogo ou brancas, além de equipamentos militares como tanques, aviões, caças, helicópteros e etc, não torna o jogo mais violento que um jogo no estilo Super Mario, afinal neste jogo seu objetivo é salvar uma princesa, onde você coleta moedas de ouro, mata tartarugas e outros seres "reais" ou não para conquistar seus objetivos, certas vezes usa-se até métodos cruéis para concretizar as mortes, pois o Super Mário tem poder de lançar bolas de fogo que matam os adversários queimados.

    Eu particularmente não acho que nenhum dos games em questão são de uma violência superior a que temos na nossa sociedade, penso também que as classificações indicativas servem justamente para "evitar" que um jogo como GTA chegue nas mãos de uma criança que pode acabar confundindo a realidade do jogo com o mundo real.

    Acho também que ambos os jogos contribuem para o estímulo do raciocínio, e controle de metas e objetivos que devem ser atingidos.

    E viva o Tetris o único jogo não violento da história.

    Abraço.

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