segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O encanto pela “nova classe média” brasileira

É praticamente impossível passar ao menos uma semana sem se deparar com alguma notícia ou matéria de caráter especial publicada pela imprensa sobre a chamada nova classe média. Ela está na TV, nos jornais, no rádio e nas revistas, em uma profusão de informações poucas vezes percebida. É quase que como se o país estivesse tentando se redimir de sua histórica concentração de renda.
 
É curioso esse fenômeno. Poderíamos nos perguntar: a quem interessa toda essa atenção? Afinal, não se trata exatamente de um debate público sobre a distribuição de renda ou sobre o processo de mobilidade econômica experimentado nos últimos anos no país.
 
Certamente, a mídia, empresas de consultoria, instituições de ensino e pesquisa, bem como a indústria editorial, possuem grande interesse em torno da ideia de uma nova classe média. Embora pouca gente perceba, até o Governo Federal, por meio da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, tem considerável interesse na nova classe.
 
Mas quem é ela? Não há uma resposta simples para essa pergunta. Algo que deveria estar claro, mas ainda não está, é o fato de que o conceito em questão se refere à classe de rendimento econômico e não à classe social – que é outro conceito e envolve aspectos vinculados à identidade e ocupação social. Além disso, falta unicidade no tratamento à nova classe média, especificamente em torno dos valores de rendimento econômico que a define.
 
Como ela é constituída? Para a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, pertencem à nova classe média famílias com renda per capita de R$ 291 a R$ 1.019, havendo três subgrupos nessa faixa de rendimento: a baixa classe média, a média e a alta classe média. Já a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) considera como nova classe média as famílias que possuem uma renda mensal entre R$ 714 e R$ 1.541, incluindo-se aí uma variação do que a ABEP entende como classes D, C2 e C1. Por outro lado, o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas considera que nova classe média é aquela que tem um rendimento mensal familiar entre R$ 1.064 e R$ 4.561.
 
Como se percebe, não há uma convergência a respeito do que se chama de nova classe média. Governo, empresas e instituições de ensino e pesquisa não têm a mesma compreensão do que ela seja, mas possuem grandes interesses a seu respeito. Nesse sentido, embora os interesses sejam difusos, há um fio que de alguma maneira os une. O conceito de classe média é útil para o mercado e para a construção de inúmeros significados em torno do consumo, bem como é vantajoso para o governo na definição de políticas públicas e, sobretudo, no uso midiático de comunicação social. De uma forma bastante direta, tem-se a compreensão simples, porém funcional e utilitarista, de que ser classe média é bom. Afinal, classe média não é classe baixa!
 
Um aspecto de menor glamour, porém bastante real, e sobre o qual pouco se fala, diz respeito ao nível de comprometimento da renda familiar no Brasil. O endividamento das famílias bateu novo recorde em junho. Naquele mês, um total de 22,38% da renda familiar destinou-se ao pagamento de dívidas. Considerando-se que a nova classe média praticamente não possui renda discricionária, qual é, efetivamente, o poder de compra e consumo da nova classe média?
 
Referências Conexas
 
Castilhos, R. B. (2007, setembro). Subindo o morro: consumo, posição social e distinção entre famílias de classes populares. Anais do Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 31.
 
Hemais, M. W.; Casotti, L. M.; & Rocha, E. P. G. (2010, setembro). Hedonismo e moralismo no incentivo ao consumo na base da pirâmide: discussão para a proposta de uma agenda inicial de pesquisa. Anais do Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 34.
 
Karnani, A. (2008). Help, don’t romanticize, the poor. Business Strategy Review, 19(2), p. 48-53.
 
Nogami, V. K. da C.; & Vieira, F. G. D. (2012, setembro). Reflexões acadêmicas e de mercado para o marketing na base da pirâmide. Anais do Encontro Nacional de Estudos do Consumo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 6.

2 comentários:

  1. Realmente professor, um intervalo de R$ 291,00 até R$ 4561,00 é de considerar estranho. Dá para perceber que esta classe está aumentando cada vez mais nos gráficos de pizza, pirâmide e barra divulgados por empresas, governo e mídia. Mas, as vezes paro e me pergunto se este crescimento é efetivo ou se a régua que mede este contingente varia. Não há dúvida que houve uma mudança, mas os holofotes para este fenômeno as vezes incomoda, por parecer algo forçado. Sempre quando vejo um daqueles gráficos fico com o pé atras.
    Me lembro da minha coleta de dados quando perguntei à uma mulher na rua para aplicar questionário. Me apresentei dizendo que era uma pesquisa sobre a nova classe média brasileira. A reação/resposta foi rápida e firme: "Ah, é assim que estão chamando os pobres agora né! Estão chamando a gente de nova classe média!"
    O problema claro que já afeta muitos consumidores desse segmento é o endividamento. Recomento para os interessados o livro de Cecília Lima de Queiróz Mattoso: Me Empresta seu Nome? Um Estudo Sobre os Consumidores Pobres e Seus Problemas Financeiros (2005).
    Um abraço

    ResponderExcluir
  2. Obrigado pela visita, comentários e contribuição, Vitor!

    ResponderExcluir