domingo, 24 de março de 2024

Sobre biologia e teoria da cultura de consumo (CCT)

 


A ideia que ignorar a biologia é um reducionismo pode ser considerada pertinente ou válida dentro da construção de certa narrativa para legitimar CCT e expandir seus horizontes e possibilidades. No limite, pode ser considerado algo semelhante ao que aconteceu com o próprio campo de comportamento do consumidor, quando buscou se aproximar da psicologia experimental para se legitimar como ciência. 

A biologia está em um campo epistêmico tradicional, digamos assim, onde a ideia de cientificidade não é questionada como no campo das ciências sociais, onde existe uma profusão quase que infindável de conceitos, os quais surgem a cada tempo, cada novo movimento, como resposta à dinâmica, às transformações e contradições da vida em sociedade. A biologia faz parte das hard sciences. Biologia, química e física explicam a vida!

Ao se aproximar da biologia e denunciar um eventual reducionismo em relação à mesma, pesquisadores de CCT tentam ampliar espaços de investigação empírica, assim como ampliar possibilidades de novas teorizações. Se essa aproximação ocorrer em função do corpo, das condições objetivas do corpo enquanto expressão biológica e material da vida, pode fazer sentido. Na medida, porém, em que a CCT coloque a biologia no centro ou se aproxime da biologia com o argumento de que há uma questão de ambiente da vida, e de modulação da ação humana em práticas de consumo em relação a questões de ordem biológica, ela corre o risco de assumir uma perspectiva ecocêntrica. Tal perspectiva pode implicar em uma espécie de abandono das contradições, vulnerabilidades, subjetividades, e limites da vida em sociedade para explicar práticas e dinâmicas de consumo.

É de se imaginar que uma aproximação entre CCT e biologia seja engendrada por meio de dados e informações mensuráveis, objetivamente verificáveis, etc. Nesse caso, a importância da interpretação do pesquisador sobre o seu próprio trabalho será reduzida. Possivelmente, haverá recursos disponíveis  para esse tipo de pesquisa, inclusive envolvendo intercâmbio com pesquisadores do campo da fisiologia, da genética, da medicina, etc. Isso poderá amplificar a ação de legitimar a CCT, e pesquisadores poderão resolver pegar carona em eventual nova trend. É até provável que seja menos árduo produzir novos papers.

A CCT surgiu com o propósito de estudar consumo em uma perspectiva interdisciplinar, multiparadigmática, etc. Certamente, as dinâmicas sociais e culturais foram consideradas importantes e capazes de explicar a construção das práticas de consumo. É pouco provável imaginar a Odisseia de Russell Belk e companhia limitada, pensando em biologia. Mas, enfim, novas possibilidades aparecem. E como costumo dizer: acadêmicos precisam de um amor para chamar de seu! Talvez a intersecção entre CCT e biologia seja o amor da vez.

Referências Conexas

Belk, R. (2014). The labors of the Odysseans and the legacy of the Odissey. Journal of Historical Research in Marketing, 6(3), 379-404.

Cronin, J., & Fitchett, J. (2022). Consumer culture theory and its contented discontent: an interview with Søren Askegaard. Journal of Marketing Management, 38(1-2), 127-144.

Levy, S. J. (2015). Roots and development of consumer culture theory. In Consumer Culture Theory. Research in Consumer Behavior, Vol. 17 (pp. 47-60). Leeds: Emerald.

Quintão, R., & Pereira, S. (2017). Fórum estudos brasileiros no campo da pesquisa da Teoria da Cultura de Consumo. RIMAR - Revista Interdisciplinar de Marketing, 7(2), 191-193.

Shaw, E. H., & Jones, D. G. B. (2005). A history of schools of marketing thought. Marketing Theory, 5(3), 239-281.

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