domingo, 22 de janeiro de 2017

Há algo errado no paraíso

Eu costumo dizer para os meus alunos que quando Maringá espirra é porque o Brasil está resfriado já há algum tempo. Por extensão, é razoável supor que de alguma forma a mesma observação possa ser válida para o Estado do Paraná. Alguns dados regularmente publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é que servem de suporte para esse comentário. Por conta dessa condição foi que tive grande surpresa com a notícia de que o Paraná é o Estado brasileiro que possui o maior percentual de famílias endividadas. Segundo os dados fornecidos pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, e divulgados pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Paraná (Fecomércio), 86,3% dos paranaenses possuem alguma dívida. Em outras palavras, praticamente 9 entre cada 10 paranaenses possui uma dívida!

É como se tal informação causasse uma espécie de dissonância cognitiva, ou seja, algo que não se espera ouvir ou ler, e que não faz muito sentido diante de um conjunto de referências anteriores que se tem. Em geral, olhando-se os indicadores relativos às diferentes unidades federativas do Brasil, o Paraná ocupa uma posição de destaque, quase sempre entre as cinco ou seis mais bem posicionadas e com melhores resultados.

Apenas a título de ilustração, e considerando dados recentemente divulgados pelo IBGE, relativos aos anos de 2014 e 2015, o Paraná possui o quinto Produto Interno Bruto (PIB) entre os estados brasileiros, ficando atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Além disso, segundo dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), divulgados em dezembro do ano passado, o Paraná foi o Estado da Região Sul que mais reduziu a pobreza entre 2009 e 2015. Como se não bastasse, também ainda em dezembro, o IPARDES informou que o impacto da atual crise econômica no mercado de trabalho no Paraná tem sido inferior àquele que é observado, em média, em outras unidades federativas. Olhando-se para o conjunto desses dados, portanto, é recrudescido o sentimento de surpresa com o nível de endividamento das famílias paranaenses.

Tendo em vista outros indicadores como, por exemplo, a taxa de alfabetização da população, em que o Paraná possui o sexto melhor indicador do país, com quase 95% da população alfabetizada, a surpresa com o nível de endividamento se transforma em indagação. A rigor, transforma-se em um problema em busca de resposta. Mas não daquele tipo de resposta que aponta para programas de educação financeira. Já disseram que não há respostas simples para problemas complexos.

A realidade do endividamento informado pela Fecomércio impõe uma necessidade de compreensão e explicação. Se colocada diante de um contexto social que é objeto de uma narrativa cotidianamente construída de forma positiva, e onde, via de regra, lê-se notícias sobre abertura de empresas, geração de empregos, alta renda per capita, elevado potencial de consumo, boa qualidade de vida, bom nível de educação, alto índice de desenvolvimento humano, etc., tal necessidade é mais urgente ainda, pois parece que há algo errado no paraíso.

* Publicado originalmente em O Diário do Norte do Paraná, Terça-feira, 17 de janeiro de 2017, Artigo de Opinião, página A2.

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