Por: Francisco Giovanni Vieira* e Alexandre Faria**
O dia é do consumidor individual, mas talvez não tenhamos muitos motivos para comemorar. Grandes empresas e organizações do governo continuam fazendo muito mais barulho acerca da importância do consumidor e sobre quanto o valorizam, do que de fato agem concretamente nesse sentido.
O problema não é somente as empresas privadas. As agências de regulação, como a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) e ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), para citar algumas, não têm desempenhado a contento o papel para o qual foram criadas. O consumidor individual costuma ficar desamparado devido à falta de fiscalização efetiva dessas agências governamentais, enquanto os consumidores organizacionais ficam cada vez mais fortes. Os Procons procuram fazer o contrapeso defendendo o consumidor individual, mas não conseguem de modo efetivo. Grandes companhias que são campeãs nos rankings de reclamações e que sabem fazer valer seu poder quando agem como consumidoras organizacionais perceberam que é mais simples e prático pagar multas – isso quando o governo consegue multá-las – do que cumprir rigorosamente os contratos ou ouvir o consumidor individual. A relação entre as organizações privadas e governamentais e o consumidor individual continua amplamente assimétrica.
O mito da soberania do consumidor individual, difundido há mais de cinquenta anos e reforçado no Brasil pelo Código de Defesa do Consumidor, já há muito não se sustenta. Empresas de alimentos reduzem diuturnamente o tamanho das embalagens e, por conseguinte, o peso e a quantidade dos produtos, praticando, porém, os mesmos preços, e nada acontece. O consumidor individual não é informado com clareza que está pagando o mesmo preço, só que por uma quantidade menor de produto.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), por sua vez, tem agido de forma conservadora e geralmente em favor das grandes empresas nos casos e processos de fusão e aquisição empresarial. Isso tem resultado em processos de concentração em diversos setores de mercado, criando, na prática, verdadeiros monopólios disfarçados na economia brasileira. Em nome da eficiência de gestão e de que o Brasil poderá ser mais competitivo em termos de exportação, o consumidor tem menos opções para a compra e passa a depender de um número reduzido de empresas, que abusam de seu poder na oferta e distribuição de produtos extremamente importantes para a sociedade, como alimentos, por exemplo. Nos Estados Unidos e na Europa o quadro não é muito diferente, mas outras forças vêm sendo mobilizadas para contrabalançar as relações de assimetria. No Brasil os obstáculos à concentração de poder e à assimetria ainda são muito precários e, curiosamente, esse quadro ajuda a explicar por que grandes empresas americanas e européias fazem no Brasil o que não fazem em seus países. Por um lado, empresas ficam cada vez mais poderosas como produtoras e consumidoras, por outro lado, o consumidor individual paga o preço amargo.
Em diversas cidades do país, o ato de consumir se tornou uma verdadeira aventura a céu aberto. O consumidor encontra falsas ofertas e promoções em que a redução dos preços é coisa para inglês ver; grande número de vendedores mal gerenciados, treinados e preparados para exercerem um bom atendimento; estacionamentos com preços exorbitantes e flanelinhas ilegais que atentam contra a segurança; restaurantes cujos exaustores não funcionam e de onde se sai praticamente defumado após as refeições; ruas sem iluminação suficiente e dezenas de avenidas sem um único semáforo para o consumidor-pedestre que vai às compras.
Embora controverso, é necessário avançar no entendimento da relação entre consumo e cidadania, especialmente no que diz respeito ao consumidor individual. Quando o consumidor é a grande empresa ou o governo, o quadro é bem diferente. Será que o dia do consumidor será comemorado somente por consumidores organizacionais (grandes empresas e organizações do governo)? E o consumidor individual? De fato, há mais coisas entre o céu e a terra do que pode supor a nossa vã imaginação.
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* Francisco Giovanni Vieira é professor e pesquisador da UEM.
** Alexandre Faria é professor e pesquisador da EBAPE-FGV.
Obs.: os autores agradecem os comentários do Prof. Reginaldo Dias (UEM) ao texto inicial desse post.