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domingo, 14 de fevereiro de 2016

Sambas-enredo para negócio - ou sobre o amanhã

 Os sambas-enredo que hoje escuto são um tanto diferentes daqueles que costumava escutar tempos atrás. Em que pese toda a capacidade de criação artística e sensibilidade dos músicos e letristas envolvidos na composição dos atuais sambas-enredo das escolas de samba que participam dos desfiles de carnaval em São Paulo e no Rio de Janeiro, é preciso algum esforço para se empolgar e cantar logo de saída o refrão dos sambas.

Aparentemente, o compositor deixou de ser um compositor e tornou-se uma espécie de consultor ou assessor e trabalha para várias escolas, não mantendo a fidelidade que antes tinha para com uma determinada agremiação. Desse modo, o samba não parece mais ser uma criação artística e sim uma letra com música para negócio, ou seja, é como se os sambas deixassem de ser sambas-enredo e passassem a ser sambas-negócio, algo a mais para alimentar a cultura de consumo do carnaval.

Isso fica bem evidente na entrevista que um compositor concedeu durante o carnaval. Ao responder uma das perguntas que a repórter da TV lhe fez ao longo da entrevista, o compositor brincou dizendo que iria pedir música no Fantástico, pois tinha feito três sambas-enredo para três escolas de samba de três cidades diferentes.

Talvez deva-se a algo assim, pelo menos em parte, os sambas não empolgarem ou não serem lembrados algum tempo depois do carnaval, mesmo que seja um evento com data marcada para começar e terminar. É possível que a feitura do samba siga outro processo e termine por não expressar toda a criatividade dos compositores.

A propósito, o primeiro samba-enredo que eu lembro não só de ter memorizado, como também admirado, foi "O Amanhã", samba-enredo da União da Ilha do Governador composto por João Sérgio para o carnaval de 1978. O título do samba-enredo, por si só, já despertava a atenção. Poucas palavras são tão poderosas na língua portuguesa quanto o advérbio amanhã. A noção de algo que está por vir e que, portanto, representa o futuro, tem um significado quase que mágico, de renovação e esperança.

Intrigante é que em 1977, ano imediatamente anterior ao ano de lançamento do samba-enredo da União da Ilha, uma música que tratava do mesmo tema fez largo sucesso nas emissoras de rádio. Trata-se de "Amanhã", de autoria de Guilherme Arantes, que foi tema da novela Dancin' Days, exibida pela TV Globo. A ideia de futuro parecia estar particularmente presente no imaginário brasileiro no final dos anos 1970. Talvez, quem sabe, tenha alguma relação com o desejo de ver o fim da ditadura militar que havia no país àquela época.

Referências Conexas

Costa, F. M. S., Guimarães, M. R., Ribeiro, T. B. da S., & Sauerbronn, F. F. (2013). Desinstitucionalização de práticas no carnaval do Rio de Janeiro: uma análise para além da literatura de marketing social. Gestão e Sociedade, 7(16), 26-50.

Farias, E. (2003). Carnaval carioca, a matriz do negócio do ócio brasileiro. Caderno CRH, 38, 177-208.

Gaião, B. F., & Leão, A. L. M. de S. (2013). Muitas festas numa só: a configuração do campo do carnaval do Recife. Organizações & Sociedade, 20(64), 131-144.

Leite, E., Caponero, M. C., & Perez, S. (2010). Um carnaval fora da lista: quando a identidade é criada para o mercado. Textos Escolhidos de Cultura e Artes Populares, 7(2), 97-108.

Lins, H. N., & Ribeiro, K. dos S. (2015). Produção do carnaval em escolas de samba: ensaios à luz do debate sobre economia da cultura. Textos de Economia, 18(1), 37-59.

Silva, A. N. da. (2010). Reflexões sobre o carnaval e samba na historiografia brasileira. Revista Tempo Histórico, 2(2), 1-19.

domingo, 17 de maio de 2015

Pop Zen: o que é seu é seu?




O que, de fato, é meu, seu, nosso, dele ou dela? Nada! Não há expressão objetiva de posse humana na materialidade das coisas. Há apenas contratos, condições prévias estabelecidas entre agentes, e que mesmo assim estão sujeitos - ambos, coisas e agentes - às mudanças e transformações do tempo. Tão simples e orgânico, mas árduo de admitir, sobretudo porque parte da identidade é definida por meio da posse. Talvez o que é meu, seu, nosso, dele ou dela, esteja exatamente na condição de circularidade e movimento, onde, paradoxalmente, a identidade não estaria no reter, mas sim no transferir. De algum modo, isso é o que está poeticamente expresso na música Pop Zen, de autoria de Alexandre Leão, Manuca Almeida e Lalado, cantada por Arnaldo Antunes em especial acústico para a MTV, acompanhado pela brilhante participação do trompetista Guizado. 

Referências Conexas

Barros, D. F., & Costa, A. M. (2010). Consumo consciente e resistência. In M. A. Chauvel & M. Cohen (Org.), Ética, sustentabilidade e sociedade (pp. 175-192). Rio de Janeiro: Mauad.

Belk, R. (1988). Possessions and the extended self. Journal of Consumer Research, 15(2), 139-168.

Richins, M. L., & Chaplin, L. N. (2015). Material parenting: how the use of goods in parenting forsters materialism in the next generation. Journal of Consumer Research, 41(6), 1333-1357. 

Rousseau, J-J. (2013). Do contrato social: princípios do direito político. São Paulo: Pillares.

Scaraboto, D. (2012). From co-creation to cultures of circulation: understanding market dynamics in value-creating networks (Ph.D. Dissertation). Schulich Business School, York University, Canada.