domingo, 7 de novembro de 2010

Você não pode emprestar seu e-book

Uma das boas coisas que o livro impresso em papel proporciona é a possibilidade de compartilhá-lo com alguém por meio do simples ato do empréstimo. Às vezes, por restrição orçamentária de uma das partes, como diriam os economistas, às vezes pelo prazer de dividir impressões ou, ainda, para promover uma transferência de significados, entre outras razões, o empréstimo de livros sempre representou uma possibilidade de interação entre as pessoas. Com o e-book, pelo menos a princípio, essa interação não existe!

A indústria em torno dos e-Readers e e-books entende que pode acontecer com os arquivos eletrônicos dos e-books o mesmo que tem acontecido com os arquivos de músicas obtidos por meio da internet: uma cópia em proporções incontroláveis e a praticamente certa redução ou mesmo perda da venda dos e-books. Desse modo, cria um mecanismo que impede que o e-book comprado e adicionado a um determinado e-Reader possa ser compartilhado, acessado e lido por um usuário de um outro e-Reader.

O argumento recai sobre os direitos autorais, mas a indústria preocupa-se mais com os seus ganhos, enquanto indústria, do que efetivamente com a propriedade intelectual das obras comercializadas. Os direitos autorais terminam por representar o componente chamado de politicamente correto no discurso feito para o mercado consumidor e para as agências governamentais em torno da necessidade de se evitar o compartilhamento.

A Amazon, que entre as empresas que comercializam e-Readers, é aquela que mais sucesso teve até agora, decidiu recentemente que os seus clientes poderão emprestar os e-books que possuem baseados em seus aplicativos. O detalhe é que tal empréstimo só poderá ocorrer apenas uma vez e por um período de no máximo 14 dias. Para piorar, nem todos os e-books poderão ser emprestados. Isso ainda dependerá de uma avaliação e disponibilização por parte dos agentes do mercado editorial relacionado aos e-books.

Os usuários de e-Readers podem até pagar menos pelo acesso ao conteúdo de um livro, na forma de e-book, bem como podem desfrutar de mobilidade e, ainda, encontrarem uma extrema facilidade em armazená-los, dispensando estantes, prateleiras e espaço físico em geral. Por outro lado, não poderão escrever seus nomes em seus livros e datá-los de próprio punho, assim como não poderão fazer sublinhados, setas, asteriscos, observações ou notas de leitura no canto da página. Mais ainda, não poderão compartilhá-los com quem quiserem e quantas vezes quiserem. Também não poderão doá-los a uma biblioteca se julgarem conveniente. Além disso, se estiverem precisando de dinheiro, não poderão comercializá-los em um sebo. Quanta restrição!

Referências Conexas

DENEGRI-KNOTT Janice; MOLESWORTH, Mike. ‘Love it. Buy it. Sell it’: consumer desire and the social drama of eBay. Journal of Consumer Culture, v. 10, n. 1, p. 56-79, 2010.

FURTADO, José A. O papel e o pixel – do impresso ao digital: continuidade e transformações. Florianópolis: Escritório do Livro, 2004.

McCRACKEN, Grant. Cultura e consumo: uma explicação teórica da estrutura e do movimento do significado cultural dos bens de consumo. Revista de Administração de Empresas, v.47, n.1, p.99-115, 2007.

MILLER, Daniel. The confort of things. Cambridge: Polity Press, 2009.

2 comentários:

  1. Em resumo, meu amigo: o aspecto poético de um livro (mesmo aqueles técnicos) está chegando ao fim. E com ele, centenas de empreendimentos e empregos diretos. Sentar-se numa poltrona de livraria e folhear algumas obras num sábado a tarde será trocado pelas frias paredes da sala, já sem estantes cheias de obras com capas coloridas e com algumas pérolas do passado, relíquias amareladas que guardávamos com orgulho.

    Uma tarde de autógrafos, com dedicatórias na capa e aperto de mão do autor, será feita via video conferência...

    As árvores de um parque terão que ser acompanhadas de uma tomada de eletricidade para manter cheia a bateria de um e-Reader, e possibilitar a leitura ao relento.

    Imgine como será sem graça a vida moderna dos que viverem lá por 2030...

    Ótimo texto, parabéns!
    Adriano Berger

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  2. Adriano,

    Achei genial o comentário sobre as tomadas nas árvores do parque para alimentar os e-Readers.

    Grande abraço,

    Francisco Giovanni

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